sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Texto: Dia da Criança e Professora

            12 de Outubro
Alô, criançada!
Esta semana vamos festejar
O seu dia com alegria
E muitos beijos vamos dar.

O que eu gosto em você
É o seu jeitinho de ser.
Alegrando os meus dias
E também o meu viver.

Você é minha esperança
Que me encanta e seduz,
Me enchendo de alegria.
Você é minha luz.

Receba com emoção
Esta linda poesia,
Pois foi feita com carinho
E com muito amor.

2) Responda de acordo com o texto.

a) Qual é o titulo do texto?

b) Que tipo de texto é esse?

c) Quantas estrofes possuem o texto?

d) Quantos versos possuem o texto?

e) Pinte no poema e copie as rimas.

3) Marque X na alternativa correta.

a) Qual é a data comemorada segundo o poema?

(    ) Dia da Professora       
(    ) Dia da Criança

b) Você sabe em que dia comemora o dia da Professora?
(    )15 de Outubro     
(    )28 de Outubro     
4)  Agora copie esse outro poema com atenção:


     Como é bom ser criança!
Como é bom ser criança!
Poder brincar, correr e pular,
Aproveitar cada instante
Sem se preocupar.

Como é bom ser criança!
Viver inocentemente,
Festejar alegremente
Com se nada fosse importante.

Como é bom ser criança!
Lambuzar-se com vontade
Comer muito doce e melado
Viver achando que o mundo é encantado.

5) Escreva abaixo o que você pode fazer por ser uma criança.

6) Agora vamos descobrir como surgiu o dia das crianças.



Dia Mundial da Criança – Como Surgiu?
O primeiro Dia Mundial da Criança foi em 1950. Após a 2ª Guerra Mundial, em 1945. As populações vivam muito mal, em especial as crianças. Foi quando em 1946, a ONU (Organização das Nações Unidas), começou a tentar mudar esta situação, deu-se então o surgimento da UNICEF(Fundo das Nações Unidas para a Infância) que é conhecida mundialmente pelo que faz pelas crianças em todo o mundo! Apesar de todos os esforços na altura, ainda era difícil fazer com que o mundo olhasse para os direitos das crianças, então em 1950 a Federação Democrática Internacional das Mulheres, Propôs a ONU que fosse criado um dia dedicado as crianças em todo o mundo.Esta data foi comemorada pela primeira vez em 1 de junho de 1950.
7) Marque X na alternativa correta.

a)  Em que ano foi comemorado o dia da crianças pela primeira vez em...
(   ) 10 de junho de 1946              (   ) 1 de junho de 1950

b)A sigla ONU é:
(   ) Organização para cuidar de crianças.
(   ) Organização das Nações Unidas
(   ) Organização para fazer as crianças trabalharem.

c) E UNICEF significa...
(   ) União de todas as crianças do mundo.
(   ) União Nacional da Infância.
(   ) Fundo das Nações Unidas para a Infância













Diversas Fábulas

O leão e o macaco
 O leão, o rei dos animais, convocou todos os bichos a uma assembléia geral para tratar de assuntos graves. Acudiram (foram) estes ao convite, que consideravam grande honraria. E o leão lhes disse: “Prestantes e estimadíssimos vassalos capachos, convidei-vos para que me tirásseis de uma dúvida cruel: há muito que quero saber se o meu bafo ou fede ou cheira; vou consultar-vos a cada um em particular”. Dito isso, tomou-os um por um, e os consultou. Aos que diziam que fedia, ele falava: “Insolente! tens o atrevimento de dizer que fede o bafo de teu rei ? !” tornava-lhes o leão, e logo os matava. “Adulador! pois tens cara de dizer-me a mim, que o meu bafo cheira, dizia aos que mentiam para lisonjeá-lo; não gosto de quem quer me enganar!” E os matava. Chegou a vez do macaco: Meu Rei, há de Vossa Majestade perdoar-me, disse o espertalhão; ando há quinze dias com um resfriado horrível; saí da cama há pouco e apresentei-me, só para não faltar à devida obediência; mas não estou em estado de perceber cheiro algum. E o Leão riu-se da malandragem e sutileza do macaco; e este foi salvo.
MORALIDADE: Por que ter pressa de dizer aquilo que, não podendo trazer utilidade alguma, só traz comprometimento?


O macaco e a raposa
 Uma raposa tinha um rabo tão comprido e peludo, o qual andava sempre caído, sem graça, arrastando e varrendo o chão. Um macaquinho, que tinha uma cauda tão pelada, andava sempre triste e abatido, disse:
—  Camarada raposa, você pode me ajudar. Dê-me o que sobra de sua cauda para suprir o que me falta; assim eu fico feliz com uma cauda bonita e você ficará mais elegante e mais leve.
Prefiro ter a minha cauda assim mesmo pesada e arrastando, do que dar-lhe uma parte. Cada um com o que é seu, cada um por si, disse a raposa.
MORALIDADE: Há muitos que antes querem conservar coisas inúteis e até nocivas (materialismo – conhece alguém assim ?), só por serem suas, do que doá-las a alguém que, aproveitando-as, retribuir-lhes-ia com tesouros que nunca são excessivos, ou seja,  às bênçãos dos desvalidos.

O rato ermitão.
 Cansado do viver na cidade, um rato 'muito religioso', um santarrão e beato, mudou-se-se um dia para uma fazenda e achou um queijo caipira. Abrindo-lhe um buraco nele enfiou-se vivo. Ali, longe do bulício dos negócios e da cidade, em eterna penitência, tinha à mão todos os cômodos, bom abrigo, queijo e boa comida. Seus irmãos, entretanto, achando-se com fome e em apuros na cidade, resolveram fazer uma coleta geral de contribuições extraordinárias e de dons patrióticos. Foram os coletores à morada do nosso ermitão, (ermitão - é o sujeito que vive no campo) contaram-lhe todos os desastres dos seus amigos e parentes, e expuseram-lhe o motivo da sua visita, pedindo-lhe um pedaço do queijo.  O outro, gordo e rechonchudo, lhes respondeu: "Vedes estas lágrimas que me correm pelas faces, nelas podeis ver quanto me apena e me causa dó o que me referis. Mas que favor vos poderá fazer este velho solitário ? Rezar, e só rezar, para que o céu vos assista e Deus vos abençôe. Contai, pois, com o auxílio de todas as minhas orações!".  Tendo assim falado, o nosso santarrão meteu-se novamente dentro de seu queijo.
MORALIDADE: Há egoístas assim; a sua delicada sensibilidade põe-lhes sempre lágrimas nos olhos, como lágrimas de crocodilo, quando ouvem a narração dos sofrimentos do próximo; porém dar algum auxílio real aos desgraçados é o que não sabem nem desejam saber.

O galo e o diamante.
 Um galo andava ciscando em um monturo (monte de lixo) à cata de vermes ou migalhas para comer. Encontrou um diamante, e exclamou: “Ah se eu encontrasse um lapidador!  Porém, isso não me vale nada. Antes um grão de milho ou algum bichinho…”. Disse isso e continuou buscando seu parco e escasso alimento.
MORALIDADE: A riqueza só tem valor para quem a sabe aproveitar.

O cão e a máscara
 Procurando um osso para roer, um cão encontrou uma máscara: era formosíssima, e de cores tanto belas quanto animadas; o cão farejou-a, e reconhecendo o que era, desviou-se com desdém e pensou: a cabeça é decerto bonita, mas não tem miolos.
MORALIDADE: Sobram neste mundo cabeças bonitas, porém desmioladas que só merecem desprezo.

O cão e a carne
 Ia um cão atravessando a nado um rio; levava na boca um bom pedaço de carne. No fundo da água viu a sombra da carne; a projeção (sombra) no fundo do rio era muito maior. Ganancioso, soltou a que tinha na boca para agarrar a outra, a da sombra; porém, por mais que mergulhasse, ficou logrado (enganado).
MORALIDADE: Nunca deixes o certo pelo duvidoso. De todas as fraquezas humanas a cobiça é a mais comum, e é todavia a mais castigada.

A mosca e a carroça
 Ia uma mula puxando uma carroça pesadíssima; a estrada era pedregosa e cheia de buracos, e a mula suava redobrando de esforço, e tendo como pagamento as chicotadas do carroceiro. Uma mosca que estava então sobre a cabeça do animal, compadeceu-se dele e disse-lhe ao ouvido: “Pobrezinho, vou aliviar o meu peso, então você poderá puxar a carroça”.  Dito isso, voou.
MORALIDADE: Quanta gente, tendo a importância da mosca, tem igual presunção?
   O homem e a raposinnha.
 Um homem armou uma ratoeira. Aconteceu que caiu nela uma raposinha. Vendo-se presa o malfazejo animal suplicou-lhe que se lembrasse dos benefícios que lhe havia feito, caçando e limpando-lhe a casa de ratos e de animais daninhos e peçonhentos. Não serei ingrato, respondeu-lhe o homem, pois você nada fez com intenção (intuito) de servir-me; só tratava era de alimentar-se; se não houvesse ratos você teria dizimado (detonado) o meu galinheiro.
MORALIDADE: Muitos querem que aceitemos como obséquio (favor) o que só fazem por prazer ou utilidade própria.

O sol e as rãs
 Correu boato de que o sol ia casar-se; e logo as rãs se assustaram, multiplicaram orações para que tal não acontecesse. Um Sol já nos custa a suportar: com a sua presença os charcos e os lagos ficam secos; mal podemos achar um ou outro esconderijo que nos conserve algum frescor, alguma umidade: o que será se, casando-se o sol, tiver filhos?
MORALIDADE: É prudente evitar que se multipliquem os maus.

A galinha dos ovos de ouro
Uma certa velhinha tinha uma galinha que lhe botava ovos de ouro; apesar de raros (poucos), davam-lhe para viver em abastança. Um seu afilhado continuamente lhe dizia: “Como pode minha madrinha esperar sempre pelos ovos desta galinha? Se põe ovos de ouro é bem provável que seja toda de ouro por dentro; vamos matá-la”. A velhinha brigou, brigou, mas por fim, dissuadida, cedeu. Morta a galinha, era por dentro normal como todas as galinhas.
MORALIDADE: Contentemo-nos, agra­de­ci­dos, com os presentes que Deus nos dá no tempo e nos períodos que sua sabedoria entende convenientes.

O lobo e o cordeiro
 Estava um cordeiro bebendo água na parte inferior de um rio; chegou um lobo, na parte de cima, e cravando nele os olhos famintos, disse-lhe com voz cheia de ameaça: “Quem lhe deu o atrevimento de turvar (sujar) a água que pretendo beber?” — Senhor, respondeu humilde o cordeiro, repare que a agua desce para mim. Assim não a posso turvar... — E ainda é bocudo e insolente! redarguiu o lobo arreganhando os dentes; ouvi dizer que no ano passado você falou mal de mim. — Como o faria, contestou o cordeirinho, se só tenho seis meses de vida e ainda não tinha nascido... — Pois se não foi você deve ter sido seu pai, seu irmão ou algum dos seus parentes e por eles você vai pagar. Dito isto, atirou-se sobre ele e o foi devorando.
MORALIDADE: Foge do mau; com ele não argumentes. As melhores razões te não poderão livrar da sua fúria. Evita-o, fugindo.

O cão e a ovelha.
 Um cão pôs demanda (discussão) a uma ovelha, dizendo que lhe havia emprestado, para matar-lhe a fome, um belo osso. A ovelha respondia que nunca lhe pedira emprestada coisa alguma, muito menos ossos, pois nem seus dentes nem seu estômago preferiam semelhante iguaria, pois era herbívora e não carnívora. Mas, pobre dela! o cão achou por testemunha um lobo, um urubú e um gavião e, mancomunados, jurando os três terem visto a ovelha receber o osso do cão e roê-lo faminta, ela  foi condenada.
MORALIDADE: Por mais razão que tenhas, fuja de demandas (brigas, discussões bestas); contra o pobre, ao rico e ao poderoso nunca falta apoio de testemunhas venais (testemunhas corruptas) capazes de tudo.

O lobo, o veado e a ovelha.
 Tendo-se ajustado (feito um trato) com um lobo, foi um veado ter com uma ovelha, e lhe pediu que restituísse o trigo que lhe havia emprestado. A ovelha, vendo o reforço a que o impostor havia recorrido, percebeu que só por manha poderia livrar-se.
- Bem, disse; mas ando agora em tais apuros, que não posso cuidar de negócios, nem tenho um grão de trigo. Volte daqui a oito dias, e conversaremos. O veado retirou-se satisfeito com a esperança. Passados alguns dias, encontrando-se com ele, a ovelha o desengana, declarando que nada lhe devia, e nada lhe havia de dar.
MORALIDADE: Quando contra nós alguém se levanta em presença de nossos inimigos, manda a prudência calar, até que venha a oportunidade de nos desagravarmos.

O velho perdigueiro e seu dono.
 Um velho cachorro perdigueiro fora bom caçador outrora (em outros tempos); sempre farejava e descobria a presa, e quando farejava, logo fisgava. Seu dono enchia-o de afagos e carinhos. Mas, para os perdigueiros, assim como para as pessoas, passam-se os anos, chega a velhice; o pobre cão perdeu o faro, perdeu os dentes, e já não levantava a presa; e se a descobria, não conseguia pegá-la. Certa vez, um coelho, que ele conseguira apanhar, safou-se de sua boca desdentada. O dono chega, e irado o açoita (bate nele).
- Senhor, disse-lhe chorando o velho cachorro, pois não mereço, em atenção aos serviços passados, não mereço alguma compaixão?
MORALIDADE: A lição deste velho perdigueiro lhes diz como sereis tratados na velhice por aqueles a quem já não mais puderes servir.

O leão, a vaca, a ovelha e a cabra.
 Uma cabra, uma vaca, e uma ovelha, fizeram sociedade com o leão, rei dos animais,  e de parceria se puseram a caçar. Pilharam um veado, e felicitando-se e esquecendo o cansaço, dividiram-no em quatro partes. Chegou o leão e disse: “Esta é minha, pela lei do nosso ajuste; esta segunda parte quero-a para mim, porque sou o rei dos animais; essa terceira vocês ma darão em obséquio (favor) pela minha valentia; e quem tiver o arrojo (coragem) de querer a quarta parte vai se ver comigo”. Os parceiros calaram-se, resignados. E que haviam de fazer? antes perder o seu quinhão (parte) do veado, do que ter a mesma sorte que ele.
MORALIDADE: Em tudo lidai com os vossos iguais (pares); pois sereis os primeiros a pagar a superioridade de vossos aliados.

A rã e o rato.
 Um rato desejava atravessar um rio; porém tinha medo, pois não saber nadar. Uma rã ofereceu-lhe os seus serviços, pronta a levá-lo para outra banda, se quisesse atar-se (amarrar-se) com ela.  O rato aceitou a proposta, e com um cordel amarrou uma das suas patas, e atou na outra ponta à pata da rã. Entraram na água; a maliciosa rã, escarnecendo do companheiro, procurava, mergulhando, puxá-lo para o fundo e afogá-lo. O rato forcejava em resistir-lhe. Estavam nessa lide (luta) quando vem voando um gavião, pega-os e de ambos faz seu almoço.
MORALIDADE: Raramente os maus triunfam: se conseguem prejudicar os bons que neles se fiam, acham logo outro mau que os castiga.

O ladrão e o cão.
Um ladrão quis entrar em uma casa, mas a guardá-la estava um cão feroz, que com seus latidos o impedia. Para fazê-lo calar-se, o ladrão atirou-lhe um pedaço de pão com veneno.  Ahã.. pensou o cão, quer que por esse pão lhe venda o meu dono que me dá de comer toda a minha vida, e que me confiou a defesa do que é seu; guarde seu pão; latirei até que acorde todo mundo; e se lhe apanho, cravo-lhe os dentes. Não podendo corromper essa fidelidade, nem iludir essa vigilância o ladrão foi ver se achava alguma casa mais descuidada.
MORALIDADE: Não acredites de leve na generosidade de quem mostra querer obsequiar-te com presentes, e nunca, por consideração alguma, atraiçoes aos que em ti houverem confiado.

A mosca e a carroça.
 Ia uma carroça com excesso de carga, e as vigorosas mulas que a puxavam por entre as pedras e lamas do caminho, pouco adiantavam. Animava-as o cocheiro com a voz, incitava-as com o chicote. Entretanto esvoaçava de uma para outra, em continua lida, uma mosca importuna fazendo o seu zunido. Por fim as mulas venceram as dificuldades do caminho e seguiram.  Graças a Deus, exclamou a mosca, cansei-me e afadiguei-me; mas enfim eis aí desembaraçada a carroça; como não estariam essas pobres mulas, e esse pobre cocheiro, se eu lhe não tivesse ajudado!
MORALIDADE: Moscas desse naipe não são raras de encontrar em toda a casta de negócios.

Os membros e o estômago.
 As mãos e os pés revoltaram-se um dia. Trabalhamos tanto, estamos em contínuo lidar e tudo é em proveito do estômago, que aí fica folgado, empregando em vantagem sua quanto adquirimos. Não estamos mais por isso, queremos folgar, e viva o estômago como puder. Admoestações, rogos, instâncias, nada valeu. O estômago ficou em jejum; mas para logo todo o corpo caiu em debilidade; braços, pernas, pés e mãos foram dos primeiros a sentir um entorpecimento, uma languidez que os assustou; compreenderam que iam morrendo; voltaram pois ao seu antigo ofício, e dentro em pouco, graças ao condescendente estômago, se acharam restituídos à antiga robustez.
MORALIDADE: Todos somos membros de um vasto corpo, que é a sociedade; cada um exerce funções especiais, mais altas, mais humildes, porém todas indispensáveis para a prosperidade e até para a existência de todos.

O parto da montanha.
 Uma montanha começou a dar urros e berros, que a tudo assustavam. “O que será, o que não?” perguntavam todos inquietos. É a montanha que está para parir. “Que imenso monstro, Deus se condoa de nós, será o seu filho!” diziam as pessoas. Vai que a montanha dê à luz um ratinho.
MORALIDADE: Os que prometem mundos e fundos espantam-nos a final com o nada que dão de si.

A serpente e a lima.
 Entrando uma serpente na casa de um ferreiro picou uma lima, e como esta lhe resistisse e fosse dura, com mais força lhe aplicou as presas; porém em vez de conseguir cravá-las, ficaram-lhe elas abaladas, e a boca cheia de sangue. Então a lima lhe disse: o que fazes ?, néscia (burra), não vês que sou de aço, e de boa têmpera! Nem todas as serpentes do mundo me podem fazer mal; inerte lhes resisto, e se persistem, em pouco tempo ficam desdentadas.
MORALIDADE: Uma vida honesta e pura é como a lima: por mais que a serpente da calúnia lhe queira cravar as presas, nada consegue.

O leão velho.

 De velho e enfermo jazia moribundo um leão que, quando moço, havia sido o terror da floresta. Apareceu um javali, e, para vingar-se da antiga perseguição, deu-lhe uma focinhada, e foi-se; após o javali veio um touro; seguiram-se outros animais e cada qual se desforrava a seu modo. O leão sofria calado. Veio por fim um burro, e deu-lhe um coice: o leão não pôde conter-se: Até aqui sofri resignado, disse, e a quantos insultos recebia opunha a lembrança do que tinha sido outrora, quando até do meu rugido todos esses tremiam; mas agora tu também, tu miserável burro ? !... Isto é morrer duas vezes!

MORALIDADE: Quando a desgraça acomete um homem, não falta quem venha com ele ajustar contas: o homem nobre e infeliz tudo sofre resignado; há porém burro tão burro e tão vil, que torna impossível a resignação.

A águia e a tartaruga.

 Uma águia agarrou uma tartaruga; mas embora faminta, não sabia como haver-se para comê-la, porquanto na eminência do perigo, a tartaruga se encolhia toda no seu casco, e nem bico nem garras podiam romper aquela carcaça. Vendo-a assim pelejar e  lidar debalde, outra águia matreira lhe disse:
— A presa é boa, minha filha; carne de tartaruga é manjar (comida) delicado; mas nunca poderás pôr-lhe o bico se  eu te não valer.
— Pois ajude-me e dou-lhe metade da presa.
— Ok. suba o mais que puder nas nuvens, e de cima deixe cair a tartaruga e o casco; estatelando-se, ficará quebrada.
Dito e feito; a pobre tartaruga, mal defendida contra tamanho baque, foi o almoço de ambas.
MORALIDADE: Em tudo menos vale a força de que o jeito; em tudo a experiência é proveitosa.

Os dois viajantes
Dois viajantes perderam-se no caminho e, depois de muito terem andado, chegaram a uma terra desconhecida. Os guardas da fronteira prenderam-nos e levaram-nos à presença do rei. Guardas, rei, todos na terra eram macacos. O que lhes parece de mim e do meu povo? perguntou-lhes o rei depois dos primeiros cortejos.
Senhor, disse um dos viajantes, facilmente se vê que sois o magnânimo rei de um povo generoso e ilustrado. O rei sorriu lisonjeado.
— Senhor, disse o outro viajante, basta ter olhos para ver que vosso povo se compõe de macacos, e tudo, até esse feio rabo que ali se enrosca detrás de vosso trono, diz que também sois macaco. Tanto bastou para que os guardas do rei caíssem sobre o indiscreto, e o esquartejassem; o outro foi muito agasalhado (bem recepcionado), e retirou-se cheio de presentes.
MORALIDADE: A verdade irrita os maus, a mentira é por eles bem acolhida.

As duas cadelas.

 Sentindo-se na hora de parir, e não tendo onde acolher-se, pediu uma cadela à sua colega que lhe emprestasse a sua cama. A outra, compadecida, atendeu-lhe, prometendo ela retirar-se logo que os filhinhos pudessem se arrastar. Chegou o dia da restituição, e não mostrando a hóspede muita vontade de cumprir o ajuste, pediu-lhe a compassiva a sua cama. A parida, porém, arreganhando os dentes:
-Retirar-me-ei, disse, se fores capaz de deitar-me fora a mim e aos meus. Tinha então consigo meia dúzia de cachorrinhos que já ladravam (latiam) e sabiam morder.
MORALIDADE: Há assim muitos que, como a cadela mal agradecida, humildes imploram a caridade, e depois se levantam contra quem lhes valeu.

O homem e a víbora.

 Numa manhã de rigoroso inverno ia um pobre camponês para seu trabalho; viu uma víbora, tolhida (encolhida) de frio, que estava morrendo. O pobre, na lição do sofrimento, aprende a ser compassivo. Condoído, o camponês não pensou duas vezes:  pegou a cobrinha, agasalhou-a no seio e aqueceu-a. A malvada mal sentiu a benígna influência ao calor, cobrou forças, e com elas a natural perversidade, e com peçonhenta picada retribuiu ao imprudente o seu beneficio. (peçonhenta é diferente de venenosa - uma serpente é peçonhenta porque, ao picar, inocula veneno na vítima; o sapo é venenoso porque possui veneno na própria pele e não o inocula picando, assim como uma planta é venenosa porque possui veneno em seu corpo).
MORALIDADE: Manda a humanidade que socorramos ainda mesmo aos maus; cumpre porém ver que não seja dando-lhes meios de continuar as suas maldades.

As pombas e o gavião.

 Perseguidas pelas aves de rapina, as pombas julgaram conveniente valer-se do gavião. Generoso, outorgou-lhes este a sua proteção, e as foi matando e comendo que era um regalo. Entregues sem defesa a impiedoso inimigo: Com, razão padecemos, disseram as pombas; quem nos mandou querer protetores?
MORALIDADE: Fujamos de protetores de ofício, especialmente quando são de conhecida avidez e perversidade; caro custa-nos tal proteção.

O leão e o burro.

 Ia um burro se ufanando (se gabando), pois o carroceiro lhe havia posto campainhas, chocalhos e penachos, e o coitado achava-se  belo e formoso. Encontrou um leão: “Saia daqui, disse-lhe arrogante, não me estorve o caminho”. 0 leão parou vendo tanto atrevimento, irresoluto se o devia castigar: por fim sorriu e disse: “Não vou matá-lo. Carne tão vil desdouraria as minhas garras e meu estômago. Só pego em merda quando me descuido”. Riu-se outra vez e foi-se.
MORALIDADE: Há insolências que partem de tão baixo, e a tão alto se dirigem, que só o desprezo merecem.

O pavão e Deus.

 Um formoso pavão excitava com a beleza das suas penas a curiosa atenção de alguns homens que o estavam admirando, e que lhe não poupavam elogios. Súbito ouviram estes o cantar de um rouxinol (pássaro europeu de canto mui lindo), e logo tudo esquecendo, procuram chegar-se para o lugar de onde partia tão suave melodia. Abandonado, o pavão encheu-se de raiva, e queixoso foi ter com Deus. Por que há de um passarinho, feio e sem graça, cantar melhor do que eu ?; Por que me não deste a voz do rouxinol? perguntou. Não sejas ingrato, respondeu-lhe Deus. Cada animal tem suas prendas, nenhum tem tudo; à águia coube a força, ao rouxinol o canto, a ti essa plumagem recamada de estrelas e de esmeraldas; não és dos mais mal aquinhoados.
— Sim, mas eu queria cantar como um rouxinol, retrucou o pavão.
MORALIDADE: Poucos se contentam com o que têm, todos invejam o alheio, e assim se fazem desgraçados.

O galo e a raposa.

 Vendo aproximar-se uma raposa, um galo trepou com as galinhas em alto pinheiro. A tanta altura não podia chegar o malfazejo bicho.  A raposa procurou pois valer-se da astúcia e disse:
Olá! Sr galo, de que tem medo? por que sobe tão alto? pois ignora que está feita a paz eterna entre todos os animais! pois ainda não lhe foi comunicada tão grata noticia?

Neste caso, quero alvíssaras, respondeu o galo.
Ora desça, abracemo-nos, festejemos este dia de universal reconciliação, disse a raposa.
O galo, esperto, percebendo a mentira da raposa, dissimulando porém, não se deu por enganado. Respondeu:
Fico feliz com essa notícia; já desço para mostrar-lhe o meu contentamento. Mas aí vem chegando alguns cachorros, ouça os latidos; junto com eles melhor festejaremos tão bela paz.
Cachorros ???, assustou-se a raposa; “pode ser que os malditos ainda não saibam da paz, vou-me embora”. E safou-se mais ligeira do que tinha vindo.
MORALIDADE: Não crer de leve é o conselho da prudência; reconhecendo a impostura, dissimular é o melhor meio de evitá-la.

A águia e a raposa.

 Uma águia tinha filhotes e, para os alimentar, apanhou os filhotes de uma raposa. A aflita raposa suplicou, instou; nada conseguiu. Altiva e desdenhosa, a águia zombou dos seus rogos, e preparou-se para devorar as raposinhas. Então a raposa valeu-se de bem inspirado estratagema: começou a cercar com muita palha e folha seca a árvore onde a águia tinha o ninho, e ateou-lhe fogo. Vendo-se ameaçada pela labareda, e reconhecendo que perdidos estavam os seus filhos, a águia pediu paz; entregando os raposinhos, a conseguiu.
MORALIDADE: Forte ou poderoso não ofendas a quem supões fraco; pois hás de ter um lado vulnerável, e o fraco saberá descobri-lo.

O bezerro e o boi velho.

 Tinha um lavrador um boi já velho, mestre no ofício de puxar carros; deu-lhe por companheiro um bezerro ainda mal domado e todo serelepe. boi velho viu um insulto em semelhante parceria: “Olha”, disse-lhe o lavrador, “não te emparelho com ele na minha estima; junjo-o comigo, para que com o teu exemplo aprenda, e melhor aproveite, as lições que lhe dará meu aguilhão; entretanto, como é ele é busto, poderás tu próprio deixar-lhe carregar o maior peso, e de tanto te acharás aliviado”.

MORALIDADE: Cumpre dar aos mancebos boa companhia de homens sisudos e circunspectos; uns e outros com isso aproveitam.

As rãs que queriam um rei
 Amigas de novidade, quiseram um dia as rãs ter seu rei, e pediram-no a Júpiter. Júpiter, benigno a seus desejos, atirou ao charco em que viviam um pedaço de pau. Com o baque a água estremeceu, e as rãs, cheias de pavor, esconderam-se no fundo mais fundo, no lodo do charco. Para logo porém foram cobrando alento; levada pela curiosidade, uma sobe à tona d’água, levanta a cabeça e põe-se a admirar o seu rei. Imita a outra, e outra, e todas. E tomam ânimo, e aproximam-se nadando; vendo que o rei nem se movia, põem do lado toda a timidez, e começam a saltar sobre a inerte majestade.
Não era isso que queriam as rãs; ei-las de novo ante o trono de Júpiter, queixosas do logro que lhes havia pregado. Já que por bom e manso vos não serve o rei que vos dei ides ficar satisfeitas, disse o deus, cansado desta tão louca importunação. E deu-lhes a cobra, a qual de hora em hora abria a goela, e engolia alguma de suas súditas.
MORALIDADE: Contentemo-nos com o que temos; não queiramos novidades.

O lobo e a garça.

 Voraz, como sempre, um lobo, estando a comer, engoliu um osso. Ficou-lhe este atravessado na garganta, e o sufocava. Nesta aflição viu ele uma garça de compridíssimo pescoço, e suplicou-lhe que lhe valesse, prometendo mundos e fundos, se lhe arrancasse o osso da goela. Compadecida a garça o fez. Livre do osso o lobo recusou dar-lhe o que prometera. Ingrata, não vês que és tu que me deves retribuir a generosidade ?; dentro da minha boca esteve a tua cabeça, podendo eu apertar os dentes, deixei que te safasses! e queres ainda recompensa ? ! A garça calou-se: o que havia de fazer? Emendar a mão, e nunca valer a lobos.
MORALIDADE: Quantos na hora dos apuros tudo prometem aos homens, aos santos, a Deus e depois esquecem o prometido, e chasqueam de quem neles se fiou.

O lobo e o cabrito.

 Uma cabra, indo pastar, deixou em casa o cabritinho dizendo-lhe que não abrisse a porta a urso ou a lobo; pois mal lhe iria. Para melhor livrá-lo, ajustou com ele uma senha: Quando eu voltar disse, para que me abras, hei de bater três vezes, dizendo — abre que está frio: — só então abrirás. Um lobo estava à espreita (escuta), e ouviu a senha; daí a algumas horas voltou, bateu na porta, e disse: — Abre que está frio. — Por mais, porém, que disfarçasse a voz, e procurasse imitar a da cabra, o cabrito teve desconfianças, e chegando-se à porta, disse: Minha mãe, mostre pela fresta a sua pata branca; só então lhe abrirei. Pata branca é coisa que lobo não tem; o nosso espertalhão não teve remédio senão retirar-se em jejum.
MORALIDADE: Precauções nunca são demais; se fiando-se à senha, o cabrito tivesse aberto a porta, onde teria ido parar?

O corvo e a raposa.

 Um corvo pilhou um queijo, e com ele no bico foi pousar em uma árvore. Atraída pelo cheiro, veio uma raposa, e logo assentou que seria ela quem comeria o queijo; mas como! a árvore era alta, e o corvo tem asas, e sabe voar. Recorreu pois a raposa às suas manhas: Bom dia, comprade, disse; quanto folgo de o ver assim belo e formoso. Certo entre o povo aligero não há quem o iguale. Dizem que o rouxinol o excede, porque canta; pois eu afirmo que V. Exa. não canta porque não quer; se o quisesse, desbancaria a todos os rouxinóis. Ufano e com o ego inflado por se ver com tanta justiça apreciado, o corvo quis mostrar que também cantava, e logo abre o bico, cai-lhe o queijo, a raposa o apanha, e safa-se dizendo: Adeus, compadre, aprenda a desconfiar das adulações, e não lhe ficará cara a lição pelo preço desse queijo.

MORALIDADE: Desconfie quando lhes elogiarem e gabarem; o adulador escarnece de vossa credulidade, e prepara-se para vos fazer pagar por bom preço os seus elogios.

As lebres e as rãs.

 Corridas pelos cães, de tudo espantadas, vivendo em contínuo sobressalto, reconheceram as lebres que um viver assim era um constante penar e resolveram morrer deitando-se todas juntas afogadas.
Antes morrer uma vez do que andar morrendo a todas as horas do dia... Enfileiram-se, partem à desfilada, e arremetem para o rio. Súbito salta na água espavorido um bando de rãs. 0h! oh! pois já metemos medo! dizem as lebres; já somos gente! Para que então nos havemos de matar? soframos; pois há quem sofra ainda mais do que nós.
MORALIDADE: Não deve o homem maldizer sua sorte; em posição nenhuma é ela tão má que outra pior se lhe não ache.

As lebres e as rãs.

 Corridas pelos cães, de tudo espantadas, vivendo em contínuo sobressalto, reconheceram as lebres que um viver assim era um constante penar e resolveram morrer deitando-se todas juntas afogadas.
Antes morrer uma vez do que andar morrendo a todas as horas do dia... Enfileiram-se, partem à desfilada, e arremetem para o rio. Súbito salta na água espavorido um bando de rãs. 0h! oh! pois já metemos medo! dizem as lebres; já somos gente! Para que então nos havemos de matar? soframos; pois há quem sofra ainda mais do que nós.
MORALIDADE: Não deve o homem maldizer sua sorte; em posição nenhuma é ela tão má que outra pior se lhe não ache.

Os lobos e as ovelhas.

 Desde o começo do mundo houve guerra encarniçada entre as ovelhas e os lobos: por serem fracas e incapazes de defender-se, as ovelhas puseram-se debaixo da proteção dos cães. Então os lobos viram-se perdidos; às ocultas, só de emboscada, podiam pilhar alguma inimiga com que matassem a fome. Acudiu-lhes um estratagema: humilharam-se, pediram pazes; fizeram com que as crédulas ovelhas se convencessem de sua credulidade; o que aliás lhes foi fácil, pois ofereceram dar como reféns os seus filhos. As ovelhas tudo aceitaram, e até calcularam a grande economia que fariam, dispensando a guarda e a proteção dos cães.
Fez-se a paz, foram dados os reféns, despedidos por economia os cães. Uma noite, os filhos dos lobos põem-se a uivar: acodem os pais bradando que estão maltratando seus filhos, que assim faltam à fé prometida, e restauram a guerra, e logo vão fazendo tal carnificina, que de ovelhas não sabemos como alguma escapou para continuar a raça.
MORALIDADE: No mau que diz arrepender-se não se deve confiar antes de boa prova.

O rato da cidade e o do campo.

 Um rato que morava na cidade, foi passear no campo. Recebeu-o e agasalhou-o um amigo que o levou para os seus palácios subterrâneos, e deu-lhe um banquete de ervas e raízes. Maldizendo em presença de tais iguarias a louca lembrança do seu rústico passeio, o rato da cidade, obrigado a jejuar, disse por fim: “Amigo, tenho dó de você; como  pode ficar resignado com semelhantes coisas? venha comigo para a cidade e veja o que é fartura, o que é viver...”.  O outro aceitou. À noitinha estavam ambos em uma bela e rica residência, em bem provida despensa: queijos, lombos, o perfumado toucinho, tudo os incitava; desforrando-se de sua longa dieta, o rato do campo regalava-se. Súbito range a porta, entra o despenseiro: vem com ele dois gatos. O rato da casa achou logo o seu buraco; o hóspede, sobressaltado, pulando de prateleira em prateleira, mal escapou com a vida, e despedindo-se do amigo: “Adeus, camarada”, disse, “fique com as suas farturas; mais vale magro e faminto no mato, do que gordo na boca do gato”.
MORALIDADE: Sem sossego de espírito de que valem os outros bens?

Os pássaros e a andorinha.

 Em um campo muito tempo abandonado, e que por isso tinha se coberto de plantas agrestes, de cujas sementes se alimentavam muitas famílias de pássaros, apareceram um dia alguns homens de enxada na mão, revolvendo a terra, e semeando linhaça. Uma andorinha que muito tinha viajado, e portanto ganhado experiência, convocou em assembléia todo o povo de penas e disse: Não é de bom agouro o que esses homens estão fazendo; da semente que deitam na terra há de nascer linho; com ele farão cordéis, laços, redes para nos pegar. Enquanto, pois, é tempo, caiamos na sementeira, não deixemos que brote um só grão. Os passarinhos puseram-se a rir e a chacotear. A andorinha retirou-se triste, e a sementeira ficou salva. Mas daí a pouco, redes e laços multiplicaram-se, e a imprudente passarinhada serviu de comida aos lavradores.
MORALIDADE: Não escarneças de quem te dá bons conselhos; quando não, algum dia no infortúnio dirás:  ah! se tivesse pensado melhor!


A raposa e o socó.

 A raposa convidou um socó (espécie de pássaro mergulhão que caça peixes) para jantar em sua companhia; devia-lhe obrigações, dizia, e queria obsequiá-lo. O socó aceitou o convite, e foi-se preparando para fazer honra ao banquete de sua amiga raposa. Essa, porém, fez servir uma espécie de sopa, posta em um prato raso. Devia estar saborosa, pois só o seu cheiro dava água na boca e despertava o apetite; mas como a sorveria (tomaria, beberia) o socó com seu comprido e agudo bico? Multiplicou bicadas, machucou-se todo, e ficou jejuando, passando fome; a raposa, entretanto, foi lambendo, e pôs tudo no bucho. Desejoso de vingar-se, mas ocultando sua intenção, o socó agradeceu a raposa a fineza do convite, e disse que lho queria retribuir, convidando-a para daí a oito dias jantar em sua casa. A raposa, que é voraz, aceitou pressurosa. O vingativo socó apresentou-lhe em um vaso de comprido gargalo uma espécie de carne desfiada, muito saborosa. No vaso não podia a raposa introduzir o focinho para alcançar a comida, e o socó de cada bicada arrancava e engolia um comprido naco (pedaço). Quis enfadar-se a raposa, refletiu porém, e vendo que era uma justa desforra, torceu o nariz e foi-se embora, com fome, ainda que não emendada.
MORALIDADE: Não zombes dos outros, pois achar-te-as exposto a iguais zombarias.

O lenhador e a morte.

 “Que lide (trabalho) insuportável esta a que me sujeita a sorte!” exclamou um pobre lenhador atirando ao chão um grande feixe de lenha que vinha carregando. “Desde que amanhece vou para o mato, e até que anoitece meus pobres braços não largam o machado. E com tanto trabalho, mal tenho um bocado de pão negro e duro para matar-me a fome, mal velhos andrajos (farrapos), que me não resguardam do frio. De que me serve a vida? Morte, venha e me leve”. Nesse momento apareceu-lhe a morte. “O que quer?” disse-lhe; “aqui estou para lhe servir”. O lenhador estremeceu, e já arrependido dos seus votos, lhe disse: “Chamei-a para me ajudar a carregar a minha lenha”.
MORALIDADE: Os que nas aflições da vida invocam a morte, grande logro levariam, se fossem atendidos.

O lobo e o cachorro.

  Um lobo magro e faminto encontrou um cachorro forte e musculoso. Teve vontade de comê-lo, mas o cão mostrava não ser dos que se deixam facilmente vencer. Mudou, pois, de parecer, e tendo refletido, disse: Fico muito feliz, compradre, de vê-lo assim tão belo, e de pelo tão luzidio (lustroso), enquanto eu ando sempre magro e arrepiado. “Se fizesses o que eu faço, tornou-lhe o dogue, viverias como vivo. Moro em uma casa em que todos me querem bem; tratam-me como um duque: e só tenho o trabalho de ladrar (latir) à noite, quando descubro ladrões. Se te agrada esse ofício, eu te apresentarei a meu dono, e, por mim recomendado, serás aceito”. O lobo não soube como agradecer.. Puseram-se a caminho. Então reparou o lobo no pescoço do dogue, e perguntou-lhe:
— O que é isto, primo? tens o pescoço esfolado, marcado..?
— Ligue não, falou o cão; de dia, para que não morda aos que entram em casa, prendem-me a uma corrente; porém de noite estou solto, e posso fazer o que me dá na cabeça.
— Então de dia estás acorrentado... Por semelhante preço não quero a tua fartura; antes livre e faminto, do que cativo e farto, disse a raposa.
MORALIDADE: Não há cômodos nem prazeres que compensem o sacrifício da liberdade.

A gralha e os pavões.

    Os pavões estavam em plena muda das penas. Uma gralha, seduzida pelo brilho e beleza das penas que deles caíam, apanhou-as e com elas se enfeitou. Desdenhando das irmãs, foi então meter-se em um bando de pavões. Estes, porém, logo a reconheceram, e às bicadas lhe arrancaram as penas que lhe não pertenciam; e com elas, pele e carne, ensangüentada, voltou a coitada gralha para junto de suas irmãs, que só depois de muito a terem insultado, perdoaram-na pela sua intrepídez.
MORALIDADE: Nunca por ostentação ou interesse dês o alheio por teu; pois a fraude é logo descoberta, e o castigo imediato.

A formiga e a mosca.

 Era uma vez uma mosca e a formiga, altercavam (se debatiam, discutiam) sobre nobreza e fidalguia. Eu, sim, dizia a mosca, eu sou fidalga; vivo sem trabalhar, passeio todo o dia por onde quero, janto à mesa dos reis, entro nos templos, pouso nos lugares mais sagrados; as faces, o colo da dama mais formosa e recatada são meus tronos.
— É assim??, diz a formiga, e não te invejo; de toda a parte te enxotam por imunda, todos te praguejam por importuna, e mais vives em esterqueiras do que em palácios; mas quando vem o frio, o que é de ti? Ficas mirrada (encolhida) pelas paredes. Pois eu trabalho sempre, e sem descanso; aí a minha nobreza a ninguém importuna, e não há estaçâo que me ache desprovida.

MORALIDADE: Entre o parasita e o homem laborioso que com o suor do seu rosto ganha parco alimento, vai a diferença que separa a mosca da formiga. Trabalhai, como esta; conquistai pelo trabalho a doce independência, ganhareis, em duplo galardão a estima própria e a de todos.

O lobo e o cavalo.

 Pastava em belos campos um formoso cavalo; um lobo o viu. E como estava faminto de quinze dias, pensou em devorá-lo; mas o cavalo era forte, e ele...fraquinho... pois quinze dias de jejum dão cabo do mais valente. Recorreu, pois, à astúcia. Aproximou-se, e ofereceu os seus serviços, dizendo que, como médico que era, estudara botânica, e podia mostrar-lhe das ervas da campina em que pastava quais as boas, quais as que lhe podiam fazer mal. Ah meu amigo, disse-lhe o cavalo, chegaste muito a tempo; não para me resguardares de más plantas, pois também as sei distinguir; porém para curar-me de grave incômodo; há dias machuquei uma pata, a traseira e parece que se está formando um tumor; olha.  Então levantou a pata, e assentou-lhe um formidável coice que lhe quebrou o queixo.
MORALIDADE: Se todos os lobos charlatães encontrassem cavalos como o desta fábula, não veríamos o triunfo de tanta impostura.

A rã e o touro.

 Soberbo e possante touro passeava pelas vizinhanças de um charco; viu-o uma rã, e logo dominada pela inveja, quis igualá-lo e ser como ele começou a inchar-se, e quando mais não pôde, perguntou às outras rãs: — Que lhes parece, manas? já não estou do tamanho do boi?
— Nem chega perto, respondem-lhe elas. A rã fez dobrado esforço:
— E agora? disse. As outras riram-se. Indignada com este escárnio, a rã incha-se tanto, estica afrouxa a tênue (fina e frágil) pele, que se arrebenta.
MORALIDADE: A inveja, vício tão comum, é a origem de todas as desgraças do homem; como a rã, o invejoso quase sempre se arrebenta.

O morcego e as aves.

 Houve guerra entre as aves e os outros animais irracionais; o povo de penas, tendo à frente a águia; o povo de pelos, tendo por chefe o leão, disputavam a primazia. As aves foram vencidas. Entre elas, em razão de ter asas e somente duas patas, militava o morcego; vendo este mal parada a causa dos seus aliados, passou-se para o lado dos inimigos. Como é isso? disse-lhe um deles. Tu por aqui ?? pois não és ave?  — Ave ?? eu ?? exclamou o morcego; olhem o meu pêlo..  e onde está o meu bico? sou primo-irmão do rato; que morram as aves! Dá-se um combate e o covarde morcego cai no bico de uma coruja; iam matá-lo, quando ele: “Pois assim desconheceis um dos vossos! exclama; não vedes as minhas asas? vivam as aves!”
MORALIDADE: Morcegos assim não faltam neste mundo; nas discórdias civis só querem eles quinhão de despojos, estão sempre com o vencedor.

O corcel e o carroceiro.

 Ricamente adornado (enfeitado), ia um soberbo corcel (cavalo alazão) dar um passeio. Pesadamente carregado de carvão vinha um jumento cargueiro para o mercado. Encontraram-se. Saia do meu caminho, miserável, relinchou o corcel, irado; e cuidado para não me sujar. O outro baixou as orelhas e ficou sofrendo, calado. Daí a tempos, o corcel adoeceu, e perdido todo o seu merecimento, foi vendido para o comerciante; puseram-no a carregar carvão. Encontrou-o um dia o cavalo cargueiro. “Irmão! onde está aquela arrogância? onde aqueles rompantes?  Peão como eu, e agora menos que eu, carregas carvão!  Cuidado pra não me sujar...!”

MORALIDADE: Por mais elevados que estejais, não desprezeis ao vosso semelhante; a roda da fortuna desanda tão fácil quão imprevistamente.

O lenhador e a mata.

 Descuidando-se um dia, um lenhador quebrou o cabo de seu machado, e assim desarmado, deixou em sossego as árvores. Por fim, muito humilde e choroso, foi pedir-lhes que lhe emprestassem um galho, com que pudesse fazer um cabo para o seu machado, declarando que era o único recurso com que ganhava, suando e lidando, o parco alimento de sua numerosa família; dessem-lhe o precioso cabo e prometia não trabalhar mais nessa mata, e respeitar todas as suas árvores e arbustos; não lhe faltaria em que ocupar-se. Movidas de tanta dor e de tanta súplica, compungidas e confiadas em tão positiva promessa, até as árvores deram o pedido galho. E logo o lenhador pôs ao machado um cabo, novo e forte, e logo viçosos galhos, troncos robustos caíram ao afiado gume de machado, que pouco tempo deixou às árvores para chorarem arrependidas a sua crédula benignidade.
MORALIDADE: Quantos se servem do benefício em dano imediato do benfeitor! Perdoai ao vosso inimigo: mas é loucura dar-lhe meios de continuar a fazer e perpetrar o mal.

A raposa e as uvas.

 Estava uma parreira carregada das uvas mais apetitosas e maduras; cada cacho fazia vir um favo de mel à boca. Apareceu uma raposa; como  não as cobiçaria? Começou a fazer esforços e saltos por alcançá-las mas qual! estavam muito altas. Por fim, vendo perdido o tempo e o trabalho: “Agora reconheço que estão verdes, disse o animal, não gosto de fruta assim.” E foi-se consolada.
MORALIDADE: É costume de muitos desfazer daquilo que não podem possuir. A cobiça consola-se, deprimindo o que não pode alcançar.

O gavião e o sabiá.

 Já tendo crescidinhos os filhotes, a sabiá largou uma vez o ninho, para ir em busca de alimento. De volta notou próximo a seu ninho um gavião. A mãe-sabiá, espavorida com a presença da ave de rapina, não fugiu, pois era mãe, e procurou com súplicas salvar a prole (filhotes). “Bem,” disse o gavião, “não matarei teus filhos, se quiseres cantar alguma coisa que me divirta.” Impondo silêncio à sua aflição, cantou a sabiá as suas mais belas e mais suaves melodias. Não presta, não presta, bradava o gavião. É velha como minha avó esta música. Disse e ia devorar os filhinhos da sabiá; Nisso, atraído pelo canto da sabiá, chega um caçador, que mata o gavião.
MORALIDADE: O malvado que escarnece do desgraçado, acha sempre castigo imediato.

O burro e o carroceiro.

 Um carroceiro tangia (conduzia, guiava) um burro que, mais do que carregado, mal podia dar um passo; de tão maltratado e exausto o burro sucumbiu (caiu); o carroceiro o esfolou (tirou-lhe a pele), e vendeu a pele. Fizeram dela um tambor, sobre o qual andaram sempre tangendo (tocando tambor) pelas feiras.
MORALIDADE: Há desgraçados que nem depois de mortos descansam.

A rata e o gato.

  Um gato já velho, matreiro e manhoso, não podia mais caçar ratos; mais ligeiros do que ele, fugiam-lhe todos. Com os anos, porém, ganhara o gato em inteligência o que havia perdido em força e agilidade. E pois envolveu-se todo em farinha, e colocou-se em um canto da despensa, onde ficou quedo (parado) e imóvel, como coisa inanimada. Apareceu um rato, e supondo que era coisa de roer, descuidado aproximou-se; o caçador filou-o (pegou-o e papou-o); logo atrás vem outro, e outro, e quantos apareciam tantos o gato caçava e comia. Veio por fim um: oh! era uma velha ratazana, que de mil combates e ciladas, laços e ratoeiras escapara, até na guerra tinha perdido duas terças partes do rabo. Logo que viu o rato farinhento, notando algo estranho, disse:  “Farinha assim” disse, “nunca vi que tomasse essa forma quando amontoada!” Então farejou: “Farinha de verdade nunca teve cheiro como esse, igual a gato. Não... Isso não é farinha não. Ora, Sr. gato, divirta-se com esses ratinhos imprudentes; eu bem o conheço; não me pega não.”
MORALIDADE: Prudência e cautela nunca por sobeja é condenável.

O lobo e o pastor.

 Fugindo de um caçador, veio um lobo esconder-se em uma moita junto da qual estava um pastor de ovelhas, e pediu-lhe o obséquio (favor) de desviar o caçador, se porventura perguntasse por ele. “Fique certo”, prometeu-lhe o pastor, “hei de dizer que o lobo se foi por ali.” E apontou para direção oposta à em que estava o esconderijo. Chegou o caçador: “ Você, por acaso, viu um lobo?” perguntou.  — Sim, vi, disse o pastor, ele foi-se por ali. Olhando para o outro lado, seu dedo porém, atraiçoando a promessa, apontava e indicava a moita em que estava oculta (escondida) a fera. O caçador não deu fé (não notou) do aceno, e seguiu a direção indicada pelo olhar do pastor. Mal o viu pelas costas, o lobo saiu da moita. Então, amigo, disse-lhe o pastor, vai embora sem agradecer-me? — Não tenho que agradecer-lhe, respondeu o lobo; pois se escapei devo-o à minha sina (sorte), e à precipitação do caçador que não reparou no movimento de seu dedo-duro, apontando em minha direção. Traidor ! Traíra ! Queria traidor, que me ele matasse! Hás de pagar-me; cuidado com o teu rebanho.

MORALIDADE: Há homens nobres que prometem seus serviços a uns, e depois os levam aos inimigos deles. São os dedo-duros.

O cachorrinho e o burro.

 Tinha um homem um cachorrinho e um burro. Toda a vez que voltava da rua, o cachorrinho lhe fazia festas, lhe saltava ao colo; e o senhor o afagava, dava-lhe docinhos, brincava com ele.  O burro, vendo isso, mordia-se de inveja: assentou de si para si que, se fizesse o mesmo que o cachorrinho, seria tratado da mesma maneira. No dia seguinte, à hora em que seu dono costumava retornar, pôs-se à espreita (ficar sondando); e mal o vê entrar, começa a zurrar (relinchar de jumento), a saltar, encosta-lhe aos ombros as patas, quer lamber-lhe a cara. Espantado o senhor chama por socorro, a quem lhe acuda; chegam os empregados, e à custa de pancadas colocam o burro na estrebaria.
MORALIDADE: Nada assenta bem senão quando pela própria índole é inspirado: um burro a fazer meiguices faria rir as pedras. Cada qual para o que Deus o fez.

O gavião e a sua mãe.

 Sentindo aproximar-se a sua hora derradeira (hora da morte),  temeu um gavião pela sua sorte eterna, com a lembrança das suas iniquidades (maldades) e pediu à sua mãe, que fosse aplacar a cólera celeste e falasse com Deus. “Fá-lo-ei, filho”, respondeu-lhe a mãe; “receio, porém, que isso agora nada  valha; não houve iniquidade e sacrilégio que você não haja cometido.”
MORALIDADE: Na hora da morte o malvado estremece; quanto mais zombou da celeste justiça, mais a teme no momento de perante ela comparecer.

O leão e o rato.

   Um leão pôs-se a dormir. Uns ratos, cheios de imprudente intrepidez, vieram brincar ao redor dele, e com os seus saltos o acordaram. Todos, fugiram; um único, por mais descuidado, ficou entre as garras, em poder do leão. Felizmente, nobre como um rei, o rei dos animais, condoído dos sustos do mísero ratinho, desdenhou tão mesquinha vingança, e soltou o animalzinho. Daí a dias, andando desprevenido, deixou-se o leão enlear em uma rede, e sem embargo da sua força, estava no poder dos caçadores. O ratinho soube deste desastre, e logo foi ter com o seu benfeitor, para retribuir-lhe o favor que dele recebera. De feito, agarrou-se à rede e com tal diligência pôs-se a roer malhas e cordéis, que logo o leão pôde desenlear-se, e voltar para a  floresta.
MORALIDADE: Uma boa ação nunca fica perdida. Não há quem, por mísero e insignificante, não tenha sua hora de força e valor.

A pomba e a formiga.

 Uma linda pombinha estava à beira de um rio; viu na água agitar-se uma formiga, que por descuidada ia se afogando; pois nesse imenso rio nada achava a que se segurasse, nada que lhe servisse de tábua de salvação. Condoeu-se a pomba, e atirou na água uma palhinha; aproveita-a a formiga, é levada à praia. Estava salva. Pouco depois, passa um caçador, e vendo a pomba, leva a espingarda ao ombro; ai da pombinha! Mas a formiga tinha visto o caçador e o seu gesto, e logo dá-lhe no pé uma ferroada; com a dor que sente o caçador perde a mira, e a pomba, batendo asas, foge.
MORALIDADE: Ainda sem contar com a gratidão, é sempre bom ser benfeitor.

A porca e o lobo.

     Uma porca gemia com dores de parir; chegou um lobo e ofereceu-lhe os seus préstimos, como insígne parteiro que declarava ser. Bem entendeu a porca o motivo do fingimento; dissimulando, porém, declarou que, acanhada e vergonhosa como era, pejava-se (tinha vergonha) de vê-lo ali, e pediu-lhe que se retirasse. Disse que voltasse daí a pouco para dar-lhe a ela e aos seus filhinhos os cuidados de sua arte. O lobo, supondo já que a presa era sua, retirou-se condescendente; mas a porca foi logo esconder-se em lugar seguro, em que o lobo não pudesse descobrir os seus filhotes.
MORALIDADE: Há perversos tão conhecidos que, embora se apresentem mansos e fagueiros, a ninguém conseguem iludir.

O calvo e a mosca.


Estava um calvo (careca) se refrescando à frente da porta de sua casa, olhando o movimento das pessoas, quando uma mosca importuna veio e, de contínuo, pousava-lhe na careca; o homem a açoitava com a mão; ela, porém, ligeira fugia,  mas depois voltava. Deste modo o calvo dava grandes tapas em si próprio, e a mosca ria-se a valer. “Vá-se embora”, disse o calvo; “esses tapas não me doem nem um tiquinho retorquiu a  mosca.  ah seu  pegar uma de vocês...”
MORALIDADE: Os importunos riem-se quando vêem malogrados os esforços das suas vitimas para se livrarem deles; basta, porém, que um desses esforços seja bem sucedido, para que paguem, junto, o novo e o velho.

O cordeiro e o lobo.

     Andava um cordeiro entre um rebanho de cabras; um lobo o viu: “Coitadinho!” disse-lhe, “como deve viver aborrecido com gente que não é da sua raça! Venha comigo; quero levar-lhe até sua mãe.” 
Não é necessário; fico-lhe muito agradecido, disse o cordeiro, estas cabras me querem muito, e me tratam com todo o amor que teriam a um filho; aqui, pois, me sinto muito bem, e não quero mudar. Foi o que lhe valeu; pois o lobo só queria desviá-lo das cabras e dos seus guardadores para devorá-lo.
MORALIDADE: Se estás bem, tapa os ouvidos às seduções de quem te convidar para mudanças; há cilada no convite.

O lobo, a raposa e o macaco.

 O lobo acusou a raposa de lhe haver roubado um quarto (pedaço) de carneiro; o macaco foi eleito como juiz para resolver a questão. A raposa defendeu-se, e no calor do debate, lobo e raposa lavaram-se reciprocamente as caras com todas as malfeitorias que, em segredo haviam perpetrado (cometido). O macaco ouviu-os atentamente e por fim sentenciou: “Condeno-vos a ambos”, disse, “a ti, raposa, porque roubaste o que de ti reclama o lobo; a ti, lobo, porque ninguém te roubou o que da raposa exiges.”
MORALIDADE: Em contendas (brigas, dissensões, litígios, desavenças, conflitos) entre perversos, tão iguais como a raposa e o lobo, raramente há quem tenha ou quem deixe de ter razão.

O bambu e o carvalho.

     Condoo-me (tenha pena) de você, disse orgulhoso o carvalho (carvalho é uma árvore robusta que fornece uma madeira nobre e resistente) a um caniço de bambu (vara de bambu); mal sopra branda aragem, (ventinho à-toa) e aí está a inclinar-se, a tremer, a humilhar-se e dobrar-se. Faça como eu - por mais rijo (forte) que sopre o furacão, oponho-me altivo, obrigo-o a quebrar-se de encontro a mim, a desviar-se.
— Quisera fazer assim, mas não posso, respondeu o caniço; você é robusto, e eu fraco, suas raízes enterram-se rijas pela terra adentro, as minhas espalham-se pela superfície...  O carvalho sorriu, desdenhoso e sobranceiro. Súbito levanta-se uma formidável ventania, um  furacão.  O carvalho quer resistir; porém, com o seu ímpeto, o furacão o arranca pelas raízes; o caniço, porém, havia vergado, havia-se inclinado até o chão, e quando passou o tufão, reergueu-se sem ter sofrido dano algum.
MORALIDADE: Quando sopra o vento da adversidade, os soberbos quebram-se, os humildes pouco sofrem.

O lobo e o burro.

      Um burro enfermara (adoecera); o lobo foi visitá-lo Tomou-lhe o pulso, apalpou-lhe todo o corpo, perguntando-lhe onde lhe doía: “Não sei”, respondeu o enfermo; “onde quer que pões a mão, logo aí me dói; estou certo que apenas te retires ficarei curado.”
MORALIDADE: Basta a presença de charlatães que só têm em mira os bens do doente, para agravar-lhe a moléstia: quando se retira tem este meio caminho andado para a cura.

O veado e suas pernas.


Um veado foi matar a sede em uma fonte de água cristalina, e mirou-se (olhou-se) no espelho das águas: “Como são garbosos (lindos, belos) esses meus galhos”, dizia, “que ar majestoso e elegante dão à minha cabeça! Mas que finas e feias pernas me brindou a natureza! Antes as não tivera.” Nisso ouviu ao longe o latir de uma matilha (coletivo de cães), e logo pôs-se a correr. Longe do caçador e do perigo levaram-no as pernas finas; já estava a salvo, quando os seus galhos enredaram-se (enroscaram-se) com os ramos de uma árvore, e fizeram-no parar; quanto mais forcejava, mais enredado se achava. Chega o caçador e o apanha. “Ai de mim!” dizia o veado, “ainda há pouco praguejei por causa de minhas pernas que tão úteis me eram, e exultei de júbilo com esses galhos que, sem préstimo algum, causaram o meu cativeiro.”

MORALIDADE: Estimamos muitos vezes qualidades que nos perdem, e maldizemos das que nos servem.

A pulga e o camelo.


Uma pulga resolveu viajar às costas de um camelo. Assim, tendo casa agasalhada e mesa farta, com toda a comodidade atravessou imensos desertos. Chegando ao seu destino, saltou ao chão, e disse: “Obrigada, irmão, pelo obséquio que me fizeste, carregando-me até aqui, e alimentando-me.”
“O que dizes?” respondeu o camelo, “pois eu te carreguei ? Olha, se mo não dissesses, nunca o saberia.”
MORALIDADE: Há quem por vanglória até se gabe de obséquios que nunca recebeu.

Os carneiros e o açougueiro.


Estavam em um pátio alguns carneiros; veio o açougueiro, levou um; os outros nem se moveram: matou-o, e o seu suplício não tirou os outros da indiferença. Morto este, o açougueiro agarrou  outro; e assim um após outro os foi matando. Restava por fim um único, e esse, conhecendo a sorte que o esperava, lamentou-se dizendo: “Ah! por que a princípio nos não ligamos? por que todos juntos não expulsamos a marradas (cabeçadas, chifradas) esse carrasco! Perdeu-nos a nossa indiferença pela sorte de nossos irmãos.”
MORALIDADE: Nunca vejas com indiferença o sofrimento de teu próximo.

O cavalo e o veado.

   O  cavalo e o veado disputavam a propriedade de um pasto; o veado porém com melhores armas levava sempre a melhor. Foi, pois, o cavalo implorar o auxílio do homem. Pôs-lhe este na boca um freio, nas costas uma sela, montou; matou o veado.
Obrigado! disse-lhe o cavalo; agora apeie e leve a caça. Não.., respondeu-lhe o homem; Nada disso... Conheço agora o quanto você é valioso e para quanto presta; agora você ficará para sempre às minhas ordens. Não sou tão tolo que renuncio a tão bela montaria.

MORALIDADE: Nunca te ligues com perversa intenção; pois a dependência criada pela cumplicidade escraviza para sempre.

A águia e as outras aves.

 Mandou uma águia convidar as outras aves da sua vizinhança para um banquete com que pretendia solenizar seus anos (comemorar seu aniversário). Todas acudiram (compareceram) ao convite. A águia, mal as apanhou no seu palácio, foi-as agarrando, matando e devorando.
MORALIDADE: Desconfiai dos obséquios dos poderosos; podem ocultar segundas intenções.

O leão e a raposa.

 Deu-se por doente um leão; foram-no cortejar (visitar) os animais; quantos, porém, entravam na cova, lá ficavam. Chegou, enfim, a raposa; astuta, parando na porta, perguntou como estava o enfermo.  — Entre, disse-lhe a leoa enfermeira. — Nada é necessário, tornou a raposa; a casa deve estar cheia de convidados: pois vejo no chão muitas pegadas de quem entra, e nenhuma de quem sai; tantas visitas hão de muito incomodar ao enfermo. A astúcia livrou-a.

MORALIDADE: Quem olhar para as pegadas dos que o tiverem precedido; evitará muitas desgraças

O leão o homem.


    Um leão e um homem altercavam (discutiam) sobre qual dos dois era o mais valente. Venha comigo, disse o homem, venha ver a prova do que afirmo.” O leão, condescendente, foi com ele. Mostrou-lhe o homem uma bela estátua que ornava uma praça; era a de um homem esmagando nos braços um leão. Viste? disse-lhe. — Sim, vi, respondeu rindo-se a fera; mas quem fez esta estátua? um homem, ou um leão? Se tens outra prova que dar-me, vamos a ela; senão, vou dar aos teus escultores assunto (motivo de verdade) para outra estátua. E pondo as patas nos ombros do homem, o esmagou.

MORALIDADE: Por louca vaidade nunca obrigues o teu superior a convencer-te da sua superioridade. Quem conta a história são os vencedores.

As duas panelas.

 Uma torrente (enxurrada) levava duas panelas; uma era de barro, a outra de pedra. “Separadas não podemos resistir à força da água”, disse a de pedra à companheira, “une-te a mim, e talvez, resistindo juntas, não vamos assim rio abaixo.”
— Não, respondeu a outra; pois se estivermos muito próximas, qualquer encontrão me porá em cacos.

MORALIDADE: Quem se une com alguém mais poderoso, a muito se expõe; correm por sua conta os perigos da união, e a corda arrebenta pelo lado mais fraco.

O cão e o jardineiro.

 Em um jardim havia um tanque; um cão, que por ser tolo presumia-se bonito, ia de contínuo mirar-se (olhar-se) nele; narciso (metido, presunçoso) que era, certa vez, tanto se admirou de si próprio que, descuidado, caiu na água. Ia-se afogando; acode-lhe (socorre-o) o jardineiro, agarra-o; mas, não se sabe se por medo ou por perversidade, o cão fisga-lhe (finca-lhe) os dentes na mão. Com a dor, largou-o o jardineiro e deixou-o afogar-se. E virou manjar (comida) de vermes.
MORALIDADE: Há cães que até na hora do benefício mordem a mão que lhes socorre. Todo homem tem o seu dia de cão, mas todo cão terá o seu dia de verme.

A doninha e a raposa.

 Magra e faminta, uma doninha descobriu uma fresta que dava para um celeiro, e por ela se introduziu. Ali, no meio da abundância, foi comendo, comendo, e engordando à proporção. Quando quis sair, já não podia passar pela fresta tão barriguda estava. Estás presa, camarada, disse-lhe uma raposa que a viu lidar na fresta; se queres sair, põe-te de dieta, jejua, e quando te achares magra e desfeita, como pudeste entrar, poderás sair.

MORALIDADE: Quem mais tem, mais preso está; a fortuna, em vez de dar independência, obriga a travar relações que são como correntes de ouro que nos manietam (prendem).

O carroceiro em apuros.

     Uma carroça, por descuido do carroceiro, achava-se certa vez   atolada em um pântano horrível. O homem gritava, ralhava, aguilhoava e chicoteava os seus bois; dobravam estes de esforço, porém nada conseguiam; o pegajoso barro prendia as rodas. O carroceiro pôs-se então a suplicar a Deus e aos santos, fez-lhes promessas de esmolas, de oferendas, se lhe safassem o carro do perigo. Então ouviu uma voz que dizia: O céu vai lhe ajudar: Faça o seguinte: pegue a enxada, desprenda a lama das rodas, examine onde mais sólido está o chão; cave e limpe esse maldito barro, empurre as rodas; agora toque seus bois. Ótimo! Veja lá o seu carro como vai andando... Cuidado com outros atoleiros! Vendo feito o milagre o carroceiro ajoelhou-se, agradecido. Então a voz se lhe fez de novo ouvir: Tens razão de agradecer, pois ficaste sabendo que o céu sempre ajuda a quem se ajuda a si próprio.

MORALIDADE: Nos lances da vida aproveitemos a força e a inteligência que Deus nos concedeu, quem por indolente ou por desacoroçoado (desanimado) cruzar os braços, não conte com milagres que o salvem.

O velho barqueiro e o moço.

 Ia remando um barqueiro velho, embora seguisse a correnteza das águas; um moço que à beira do rio estava brincando, pôs-se a escarnecer dele: Por que te afadigas assim? Para que remas? O correr das águas basta para levar por diante a tua casca de noz. Dá-ma que eu te vou mostrar. O barqueiro, que era velho e experimentado, sorriu-se e respondeu: Se te der a minha barca, e fizeres o que dizes, perdes-te. — Pateta! tornou o moço — Pois toma lá, disse o barqueiro saltando em terra; dá-me a tua lição; sempre se está em idade de aprender.
O moço saltou no barco, e largando os remos e leme, pôs-se a cantar. A água levou a casquinha de noz com excessiva impetuosidade, e arremessou-a de encontro a uma pedra. Com o abalo interrompeu o moço o seu cantar, viu o perigo, lançou mãos dos remos e do leme; atordoado, não soube como haver-se, implorou o auxílio do velho barqueiro; mas já era tarde. De encontro às pedras o barco quebrou-se, o moço morreu afogado.
MORALIDADE: O imprudente arremessa-se a perigos ocultos que o homem prudente vai desde princípio evitando.

O corvo e o escorpião.


Saiu da sua toca um escorpião; avistou-o um corvo, e caindo sobre ele o levou no bico. O escorpião, porém, voltando o rabo, tal ferroada lhe pregou no pescoço que o malvado caiu morto.
MORALIDADE: Muitas vezes o perverso quando pensa que triunfa, é vítima da própria iniquidade (maldade).

A cabra e seu filhote.

 Pastando descuidada, uma cabra pisou em uma víbora; esta ergueu a cabeça, e picou-a na teta. Logo, porém, veio o filhotinho mamar, e com o leite sorveu (sugou) todo o veneno, salvando assim a mãe à custa da sua própria vida.
MORALIDADE: Tudo sacrificar, até a vida, pelas nossas mães, é dever que não carece ser ensinado, tem que ser algo espontâneo e natural.

Hércules e os pigmeus.

 Havia antigamente uma raça de homens que não chegavam a ter três palmos de altura: chamavam-nos pigmeus. Estando uma vez na terra deles, Hércules pôs-se a dormir à sombra de uma árvore. Acudiram os pigmeus ajustados (combinados) para matá-lo; Hércules porém, pegando na pele do leão que lhe servia de manta, os foi enxotando, como quem enxota mosquitos, e continuou a dormir.
MORALIDADE: Sempre os pigmeus se ajuntam contra o homem esforçado; este, porém, com um simples aceno os faz fugir, e os esmaga.

O caçador e a cobra.

 Ia um caçador, de espingarda ao ombro, olhando para cima, a ver se, pousado no alto das árvores, descobria algum pássaro. Assim entretido, não viu a seus pés uma cobra, e pisou nela. A cobra, vingando-se, cravou-lhe no calcanhar a peçonhenta presa. Sentindo aproximar-se-lhe a morte, o caçador exclamou: “Caro vou pagar a minha loucura; como, tendo eu aos pés o perigo, fui ocupar-me com o que por cima de minha cabeça se passava!”
MORALIDADE: Quantas vezes embebido em grandes esperanças, não vê o homem o perigo que está a seus pés?

A cigarra e o rouxinol.

 Criava o rouxinol seus pintinhos (pintinhos é sinônimo de filhotes de aves ! ) e procurando para eles alimento, apanhou uma cigarra. “Não me mates”, disse-lhe esta, “pois somos parentes; ambos só no verão aparecemos, ambos cantamos.” — Insolente! disse-lhe o rouxinol, pois comparas o teu insuportável ciciar com as minhas suaves melodias? Só por isso merecerias morrer.
MORALIDADE: Na hora do perigo, quantas vezes, buscando razões que nos salvem, recorremos a cartadas que nos comprometem?

O hortelão e o burro.

 Um pobre hortelão afadigava-se em preparar sua horta, em regá-la, em resguardá-la do sol, esperando que viçosa hortaliça lhe pagasse o seu trabalho e os seus suores. À noite, porém, descuidando-se, deixava que na horta entrasse o seu burro, e no dia seguinte tudo estava estragado e arruinado. Maldizia-se o mísero, e punha-se de novo a trabalhar, para ter à noite o mesmo resultado.
MORALIDADE: Não basta trabalhar, é necessário ter prudência, e saber conservar; mais estraga o desleixo de um minuto do que edifica o cuidado de todo o dia.

A gralha e a ovelha.

 Não tendo que fazer, quis a gralha divertir-se com uma ovelha, e pousando-lhe no pescoço, pôs-se a arrancar-lhe a lã e dar-lhe bicadas. “Emenda-te deste ruim costume”, disse-lhe impacientando-se a ovelha, “pois se por fraca te suporto, poderás fazer outro tanto com o cão, e ele te dará a paga.” — Não tenhas cuidado, respondeu a gralha; conheço o meu mundo; sei a quem devo respeitar, e de quem posso escarnecer.
MORALIDADE: Há entes que, humildes e até vis com quem deles se pode defender, são da mais insuportável arrogância com os que lhes parecem mais fracos.

A formiga e a cigarra.

 Em toda a bela estação uma formiga incansável tinha levado para sua casa as mais abundantes provisões: quando chegou o inverno, estava à farta. Uma cigarra, que todo o verão levara a cantar, achou-se então na maior miséria. Quase a morrer de fome, veio esta, de mãos postas, suplicar à formiga lhe emprestasse um pouco do que lhe sobrava, prometendo pagar-lhe com o juro que quisesse. A formiga não é de gênio emprestador; perguntou-lhe, pois, o que fizera no verão que não se aprecatara. “No verão, cantei, o calor não me deixou trabalhar.” — Cantastes! tornou a formiga; pois agora dançai.

MORALIDADE: Trabalhemos e estudemos para nos livrarmos do suplício da cigarra, e não aturarmos os motejos e zombarias das formigas.

O leão e o burro.

 Foram caçar de parceria o leão e o burro: o leão dispôs a caçada. No meio de um bosque que tinha só uma saída, colocou o burro, cobriu-o de folhas, e disse-lhe que, a um sinal seu, zurrasse com todas as forças. Postou-se ele, deu o sinal, e o burro começou a zurrar. Aterradas as feras com semelhante música, precipitam-se para a saída da mata; aí as esperava o leão, e quantas apareceram foram mortas. Cansado o leão por fim, foi ter com o burro, e disse-lhe que bastava. "Então que tal me saí? perguntou-lhe o vaidoso e bruto burro; que tal a minha voz? heim ! viste como todos fogem com medo de mim ? E se achava.
— Tens razão, disse o leão rindo-se; com teus zurros és capaz de tudo afugentar; eu próprio, se não soubera o que és, teria feito como os demais; se porém fizeste proezas, foi por estares escondido; se te houvessem visto, ter-te-iam apupado e vaiado.

MORALIDADE: Há fanfarrões assim que a berrarem e se ufanarem, são capazes de engolir o mundo; porém, quem os conhece sabe quanto valem.

O veado no curral.

 Fugindo aos caçadores, um veado chegou a um povoado, e vendo um curral, meteu-se nele. Então suplicou aos bois que lhe dessem asilo, e o deixassem esconder-se; invocou todos os argumentos que podiam mover a compaixão, até mesmo o parentesco que entre eles estabeleciam os chifres, que os enfeitavam. “Nem tanto é necessário”, disse-lhe um boi velho, “para que te desejemos servir; mas olha que o asilo não te é seguro; aqui vem às vezes um homem de cem olhos, a quem nada escapa; entretanto esconde-te como puderes“. O veado escondeu-se. Vieram os peões dar ração aos bois; passaram, tornaram a passar, e nada viram de novo, e se retiraram. O veado já dava parabéns à sua fortuna (sorte), já contava que, amanhecendo o dia, iria correr nos seus livres campos. “Espera”, disse-lhe o boi, “ainda não te felicites; ainda não é passada a hora em que costuma aparecer o homem dos cem olhos.” Mal acabava, eis aparece o senhor: “Que é isso“, disse, “como está sujo este curral! como está mal estendida esta palha! por isso o meu gado não berra. Oh! oh! o que temos ali? Aqueles chifres ?” O veado estava descoberto: o homem dos cem olhos o tinha visto.
MORALIDADE: Vigiai pessoalmente o serviço que a outros houverdes cometido; se o não fizerdes, muito vos tereis de arrepender.

O velho lobo e a raposa matreira.

 Uma raposa meteu-se de amizade com um velho lobo que, por forte e previdente, havia ajuntado grossos cabedais e longa experiência. Com artimanhas a raposa fez-se necessária, que o lobo não podia viver sem ela; ria das graças e peripécias dela; ela fazia tudo por ele,  preparava-lhe a comida, enfim tanto bem lhe quis que em seu testamento o lobo velho a deixou por sua universal herdeira. Mal soube que estava feito o testamento a raposa foi ter com um caçador, e lhe disse: "O que me dás, se te levar à cova de um lobo e to entregar ? — Dou-te a sua pele, disse o caçador. — Pois vem comigo. E levou-o à cova em que estava dormindo o lobo. Passou este sem senti-lo do sono para a morte. Já se via a raposa senhora única da fabulosa herança, e tendo além disso a pele de seu ex-protetor, quando o caçador lhe disse: “Amiga, se livrei as ovelhas desse voraz perseguidor, quero livrar as galinhas de terrível inimigo; em vez de uma, serão duas ações meritórias, e terei duas peles que vender; toma, morre!” E atirou nela. A raposa não previra este resultado.
MORALIDADE: Velhos endinheirados e avarentos, cuidado com os que vos afagam! consolai-vos, porém, certos de que o mal ganho nunca aproveita.

O caçador e o urso.


Em apertos de dinheiro, um caçador vendeu a pele de um urso que devia matar por aqueles dias, pois tinha descoberto o seu covil, e tudo preparado para tão importante caçada. Comido o dinheiro, o caçador se descuidava da promessa, e só por fim, cedendo a muitas instâncias do comprador, foi à caça. Levava uma espingarda de dois canos, uma boa faca, enfim todo o petrecho; não levava porém o mais indispensável, ânimo. Aparece o urso; o homem põe-se a tremer como varas verdes; o urso aproxima-se com majestoso vagar. O nosso homem tinha ouvido que essa fera não toca em corpos mortos; deixa-se pois cair, inteiriça-se todo, faz-se morto; e na verdade; com o medo está mais morto do que vivo. O urso encosta-lhe o focinho, cheira-o, revolve-o, e supondo-o inanimado, retira-se. O comprador, que viera para assistir à caçada, e que tudo vira de lugar seguro, chegou-se para o morto, e escarnecendo lhe pergunta. “Então, meu tratante, o que te disse o urso, quando te falou ao ouvido?” O outro cobrando alento, respondeu: “Disse-me e eu lhe acho razão, que não se deve comprar a pele do urso antes de o ver morto.”
MORALIDADE: Mostra essa fábula que nunca devemos prometer o que ainda não está em nossas mãos, e que pois não podemos dar.

O leão e o mosquito.


E esta! porque fazes muita bulha com os teus rugidos, pensas que és grande coisa! porque tens um imenso corpazil, e uma carranca horrenda, acreditas que és rei dos animais! Aqui estou eu, eu, sim, que de ti não tenho medo. — Quem assim falava? Era um mosquito. A quem falava? A um leão. Sim, um mosquitinho a um leão! e nisso não ficou: Ora defende-te lá, proseguiu; meçamos forças. E pronto agarra-se às ventas do leão. O possante quadrupede ruge que abala os montes, procura com a pata arrancar do nariz o miseravel inseto; este porém introduz-se pela venta, e mais de dentro o morde. O leão indigna-se, precipita seus movimentos bate com a cauda os flancos, salta, com as garras dilacera o focinho; o mosquito tranqüilo e sereno, vai multiplicando ferroadas. O leão emprega, para ver-se livre de tão tênue inimigo, força suficiente para domar tigres, e por fim, tendo-se em sua fúria mordido a si próprio, dilacerado todo com as garras, cai morto. Sai-lhe então da venta o mosquito, e zunindo celebra a sua vitória.
MORALIDADE: Não há inimigo fraco; para dar cabo de um leão basta um mosquito, quando com a perspicácia do ódio sabe dirigir seus golpes.

Esopo e o malcriado.

 Esopo ia passando por uma rua. Um rapaz malcriado quis contender com ele, e lhe deu uma pedrada. Sem responder-lhe, Esopo mete a mão no bolso, e atirando-lhe uma moeda, lhe diz: “Camaradinha! admiro a vossa destreza e a vossa graça. Tão belo talento deve ser animado e sinto que se a fortuna não me favorecesse com seus dons, muito por vós faria. Entretanto tomai esta moeda, e desculpai-me. Felizmente ali vem um sujeito que é rico. Mostrai-lhe a vossa graça, e ele há de dignamente retribuir”. O imprudente rapazola fiando-se no conselho, apanhou uma pedra, e atirou-a às pernas do homem poderoso e rico que se vinha aproximando. Este porém vendo-se insultado, mandou por seus pajens dar uma boa sova de pau no insolente.
MORALIDADE: Quando sofreres uma insolência, não te aflijas por não poderes castigá-la; dia virá em que o insolente a outro se dirija, e então tudo pagará.

O solitário e o seu urso.

 Um homem que no lidar da vida muito tinha que se queixar dos outros homens, reconhecendo os falsos, egoístas, mal agradecidos, tornou-se misantropo, e renunciando à sociedade, fora embrenhar-se em um ermo. Aí vivia solitário, tendo por companheiro um urso que domesticara. No urso havia concentrado todas as suas afeições e cumpre confessar que lhe eram retribuídas. Quem os visse brincar juntos diria que era uma parelha de ursos. Um dia de verão, o solitário vencido pelo calor e pelo aborrecimento, adormeceu; o urso pôs-se a vigiar que nada viesse incomodar o seu amigo, que nada o acordasse. Uma mosca foi pousar nos beiços do homem, o urso procurou enxotá-la; como porém nada conseguisse por bons modos, pois a mosca ia-se e logo voltava; o urso, cabeçudo, agarrou uma pedra e atirou-lha quando estava pousada na cabeça do seu amigo. Matou-a, mas também o pobre misantropo foi-se desta para melhor, sem que lhe valesse o pranto do urso, arrependido da sua imprudência.
MORALIDADE: Nada mais perigoso que um amigo imprudente; antes mil vezes um discreto inimigo.

O feixe de varas.

 Já velho, e portanto próximo a despedir-se do mundo, um homem que tinha muitos filhos, reuniu-os em redor de si, e mandando vir um feixe de varas, assim disse: Qual de vocês meus filhos, será capaz de quebrar esse feixe de varas?  Experimenta, João. João procurou fazê-lo; não pôde. Vê tu, Pedro. Pedro também o não pôde; nenhum dos outros o conseguiu. Ora, eu, já velho e alquebrado, vou fazer o que vocês, moços e valentes, não fizeram, disse o pai, e desatando o feixe, tomou uma por uma todas as varas, e as foi quebrando. Então, prosseguiu: Aproveitai, meus filhos, esta lição. Enquanto estiverdes unidos, resistireis facilmente a todas as agressões e violências; os vossos inimigos, porém, hão de procurar desunir-vos; para isso aproveitar-se-ão das vossas paixões, e se o conseguirem, um por um ficareis todos perdidos.
MORALIDADE: Da união nasce a força; todos o sabem; não há verdade mais trivial: entretanto todos parecem ignorá-la.

A lebre e a tartaruga.


“Condoo-me de ti”, dizia uma vez a lebre à tartaruga: “obrigada a andar com a tua casa às costas, não podes passear, correr, brincar, e livrar-te de teus inimigos.” — Guarda para ti a tua compaixão, disse a tartaruga: pesada como sou, e tu ligeira como te gabas de ser, apostemos que eu chego primeiro do que tu a qualquer meta que nos proponhamos a alcançar. — Vá feito, disse a lebre: só pela graça aceito a aposta. Ajustada a meta, pôs-se a tartaruga a caminho; a lebre que a via, pesada, ir remando em seco, ria-se como uma perdida; e pôs-se a saltar, a divertir-se; e a tartaruga ia-se adiantando. Olá! camarada, disse-lhe a lebre, não te canses assim! que galope é esse? Olha que eu vou dormir um poucquinho. E se bem o disse, melhor o fez; para escarnecer da tartaruga, deitou-se, e fingiu dormir, dizendo: Sempre hei de chegar a tempo. De súbito olha; já era tarde; a tartaruga estava na meta, e vencedora lhe retribuía os seus chascos: Que vergonha! uma tartaruga venceu em ligeireza a uma lebre!
MORALIDADE: Nada vale correr; cumpre partir em tempo, e não se divertir pelo caminho.

A gata metamorfoseada em mulher.

 Um misantropo, no demais modelo de todas as virtudes, tinha pela sua gata um amor exclusivo; achava-a bonita, engraçada, mansinha, e por fim, o que no sexo dela é raríssimo, tão discreta quão fiel e agradecida. Ah! se houvesse uma mulher como esta gatinha, dizia, ou se dado me fosse transformar em mulher este mimo dos animais, então acharia uma companheira com quem atravessasse o mar tempestuoso da vida! Condoeu-se dele uma fada, e cedendo a seus votos, transformou a gata em moça. Confuso pelo milagre, o nosso homem deu-se por feliz em poder naquele dia mesmo ir aos pés dos altares dar a mão de esposo a essa bela mulher.
Gata-moça e misantropo estavam nas nuvens, e este repetia àquela mil lições e mil conselhos, que ela, multiplicando-lhe afagos e carinhos, ouvia atentíssima. Súbito, faz-lhe ela sinal que se cale, inclina a cabeça; é toda atenção; dá ligeira um pulo, e agarra em um ratinho que travesso saíra do seu buraco. O instinto havia falado: a mulher era gata.
MORALIDADE: Por mais que procuremos vencer a nossa índole, sempre ela aí volta inesperada; fechai-lhe a porta, entra pela janela.

A mercadora (vendedora) de leite e seus cálculos.

 Alegre vinha para a cidade uma camponesa trazendo à cabeça bojudo (grande) galão de leite. “Hei de vendê-lo todo”, dizia, “e com o favor de Deus, sempre hei de achar no lucro o preço de uma linda frangalhona. Há de ser tão bonita, quão boa poedeira, pois hei de escolhê-la por certo sinal que nunca falha. De cada postura dar-me-há dezoito ovos, e, emprestando-me a vizinha alguma galinha choca, de mês em mês terei uma ninhada de dezoito pintinhos. Como são bonitos, como medram! Os machos vou-os vendendo, e ajuntando o dinheiro, as fêmeas crescem; saem à mãe dão-me ovos que é um regalo; crio-as até ter um cento delas. Cem? não: dez dúzias, é muito suficiente; não tenhamos mais, que lhes não dê a peste. Ora, com o dinheiro dos frangãos e dos ovos, estou rica! Qualquer tola iria comprar alguma fita para enfeitar-se aos domingos. É bom andar uma moça faceira e bonita; mas eu antes quero fazer render meu dinheiro. Compro pois uma porca; e porque não uma vaquinha? E então ovos, frangãos, leite, bezerros, em menos de nada, com juízo e economia, dão-me com que compre um lindo sítio. Eis-me senhora, enfim graças a Deus! escolho criadas jeitosas, servem-me elas para levar à cidade o meu leite, os meus ovos, e frutas, e hortaliça; e então, se aparecer algum rapaz bem feito, bonito, de bom gênio, e amigo de trabalhar, dou-lhe minha mão e a minha riqueza. Que fortuna e que prazer.”
Embebida nessa prosperidade, a camponesa esquece-se do que trazia a cabeça, e põe-se a dançar, o jarro cai no chão, quebra-se; adeus leite, adeus galinha, pintos, adeus fortuna!
MORALIDADE: A esperança toda a vida nos embala; basta-lhe qualquer circunstância, por insignificante que seja, para que nela assente seus castelos, castelos que a imaginação doura, e que o menor sopro da realidade desfaz.

A peste dos animais.

 Um mal horrível, que a ira celeste inventou para punir os crimes da terra, a peste, fazia mil estragos entre os animais. Nem todos morriam, mas todos, lânguidos, entorpecidos, seja de pavor, seja por efeito da moléstia, arrastavam-se moribundos. Em tanta calamidade só valem grandes remédios. O leão convocou assembleia geral dos seus súditos, e assim falou: “Prestantes e amados vassalos, vós que o flagelo de Deus açoita, ouvi-me, e dai-me o auxílio de vossas luzes; nunca tão necessário nos foi, a nós todos, um bom conselho. Não é natural essa epizootia que nos vai devastando; cada dia morremos aos milhares; é por certo o castigo que algum crime de nossa raça está merecendo; cumpre pois aplacar a ira celeste. Lembrei-me a princípio de decretar um jejum de alguns dias; porém jejuando andamos todos pelo abatimento que a moléstia causa. Então ocorreu-me a ideia de fazermos aqui todos uma confissão geral, para descobrir-me qual o miserável cujo pecado nos trouxe semelhante desastre.” O parecer do rei foi por todos aprovado. O leão prosseguiu: “Não quero, nem para mim, injusto favor; se for o criminoso, com muita satisfação morrerei pelo meu povo; confesso pois que às vezes, em horas de fome, não respeitei bastante a vida do veado, da vitela, da ovelha, e nem mesmo a do pastor. Se julgais que são esses os crimes que o céu está punindo, dizei-o francamente, gostoso me imolarei ao bem de todos.”  O javali, o tigre e outros muitos que tais, em coro aplaudiram: “Vossa Majestade está zombando! crimes tais que praticou nem pecadinhos veniais são. Comeu às vezes veados, ovelhas, pastores! Ora nisso muita honra lhes fazia!”
Continuou a confissão geral, nas ações dos mais ferozes brutos nada achou a assembleia que dizer; não houve crueza que todos à porfia não justificassem. Chega a vez do burro: “Senhores, disse ele, por mais que procure despertar minha consciência, a ver se me lembra algum crime que praticasse, nenhum me ocorre; somente um dia estando com muita fome, passei por um prado, propriedade de um convento. A erva estava tenra, orvalhada, apetitosa; ninguém me via; tudo me incitava; passando pois, não pude resistir à tentação, e apanhei na boca um pouco de erva que mais, a jeito achei...” — "Malvado! bradaram juntos todos os tigres e javalis da assembleia; roubar a erva de um campo pertencente a convento! Sacrilégio! E por causa desse miserável todos estamos pagando!"  Subitamente o pobre burro é imolado à divina justiça.
MORALIDADE: Para o poderoso, qualquer que seja seu crime, nunca falta indulgência; o pobre ou fraco, ou burro, nem que viva como santo, pode livrar-se; lá tem seu descuido, e esse não tem desculpa.

O lavrador, seu filho e o burro.

 Querendo vender seu burrico, um lavrador levava-o à feira, e para ter com quem pelo caminho palestrasse, fez-se acompanhar por seu filho, adolescente de quinze anos. Querendo que o burro chegasse descansado, para agradar aos compradores, os dois camponeses iam a pé puxando-o pelo cabresto. Onde se viu isto! disseram alguns rapazes vendo-os passar. O burro todo lépido, tendo tão belo costado; e dois marmanjos a pé, palmilhando a estrada: será penitência que fazem, ou promessa que cumprem? O lavrador não deixou de achar-lhes razão e disse: “Filho, está me parecendo que esses tratantes não lembram mal; é parvoíce (burrice) ir eu, já velho e cansado, andando a pé, enquanto o burro vai folgado como um fidalgo. Eu monto pois, e tu vai tocando.”
Dito e feito, o lavrador se escancara em cima do burrico. Sucedeu passarem duas moças: “Que desaforo! disseram: um homenzarrão, forte e valente, bem repimpado, e o pobre do menino a pé arfando para acompanhar o burro!” O lavrador refletiu no caso, e reconhecendo que era injustiça deixar o filho a pé, disse-lhe: “Monta aqui na garupa, rapaz; hás de estar cansado.” O moço não esperou que segunda vez lho dissesse, e encarapitou-se atrás do pai.
Passaram então ao lado de alguns lavradores: “Oh! lá!” disseram, “parece que essa gente quer levar à feira, não um burro, porém a sua pele; como vão repimpados, folgados, e o pobre animal nem já fôlego tem.” O lavrador pensou um pouco, e disse: “Filho, eu vou apear-me, fica tu montado, e andemos depressa”. Assim se fez.
Caminharam algum tempo, e julgava o lavrador que tudo iria bem quando encontraram um vendedor, e este, achando feio que o moço fosse montado e o velho a pé, perguntou: “Então, meu principezinho, onde já viu Vossa Alteza que, para ir namorar, é conveniente trazer velhotes da idade desse que o acompanha?” — Velhote ? eu ??  disse o pai. Não, não podemos dar ocasião a tais afrontas; filho, apeia-te, carreguemos o burro às costas; é o que nos falta experimentar, para ver se tapamos a boca de todo  mundo. Assim fizeram; o burro andou pela primeira vez montado, e não diz a história que com isso muito se afligisse. Mal porém viram aquela cena alguns rapazes desataram às gargalhadas. “Qual dos três é mais burro?” perguntaram. “Sou eu, senhores”, respondeu o lavrador, “eu que por todo o caminho levei a dar ouvidos as asneiras de cada um, e a obedecer-lhes; eu que juro daqui por diante proceder como entender, sem dar ouvidos aos palpites dos outros e às suas observações.”
MORALIDADE: Em tudo e por tudo consulta a tua consciência e obedece-lhe; se quiseres tapar a boca do mundo nunca o hás de conseguir.

A assembléia (reunião) dos ratos.
 Um gato que o cão suscitara para a ruína dos ratos, o Napoleão, o César dos gatos, devastava o mundo; por mais ligeiros e espertos que se mostrassem os ratos, o valente e ardiloso César tantos via quantos deixava pelo chão estendidos. Matava por gosto, por ódio de raça, e não pela necessidade da fome. Nas vésperas de sua total ruína, os ratos reuniram-se em assembléia geral, para assentarem no que deveriam fazer em tamanha calamidade. Vendo-os reunidos, e compenetrados da sua importante missão, um deles, que presumia de orador e de estadista, pediu a palavra, e depois do mais patético discurso, concluiu: “Proponho que se ate um guizo (chocalho) ao pescoço do gato; assim qualquer movimento seu nos será denunciado por este estridor amigo, e tão infelizes não seremos, que não achemos algum buraco em que logo nos asilemos“. “Apoiado, apoiado!” bradaram com entusiasmo os ratos; um deles, porém mais velho e pensador: “Apoiado sim”, disse, “a lembrança é sagacíssima; mas quem há de atar o guizo (chocalho) ao pescoço do gato?”
MORALIDADE: Há muitos que nas circunstâncias de apuro têm a grande sagacidade de lembrar remédios ótimos, a que apenas um defeitinho se pode opor: serem absolutamente inexequíveis.

Os ladrões e o burro.

 Dois ladrões tinham roubado um burro, e disputavam acerca do que dele fariam; um queria vendê-lo, outro conservá-lo para seus passeios. De palavras passam a obras; e ficaram a discutir. Entretanto o animal roubado folgava, e pastava livre. Chega na surdina outro ladrão, e vendo tão entretidos os companheiros, agarra o burro, omnta e safa-se, fugindo.
MORALIDADE: Enquanto alguns perdem o tempo em porfias, pelejas e altercações, aparece um mais esperto e avisado que aproveita a ocorrência, e os deixa a ver navios.

A coruja e seus filhotes.

 Fizeram a paz a coruja e a águia, e reciprocamente juraram não ofender aos filhotes de cada uma das altas partes contratantes: “Conheces os meus filhos?” perguntou a coruja à águia. — Não, mas se mos queres mostrar e dizer como são, saberei reconhecê-los, e poupá-los. “Pois sim, atende; meus filhos são lindos, engraçados. Oh! como são engraçadinhos e bem feitos! são uns primores”. A águia tomou nota; daí a dias, estando a caçar deu com um ninho. Nele estavam dois horríveis filhotes, tristonhos, mal feitos, de cor, de piar que metia medo. “Não são estes por certo os filhos da minha amiga”, disse a águia e os foi papando. Nisso acode a coruja: “Assim respeitas a fé jurada? mataste os meus filhos!” — Teus filhos! disse a águia admirada; esses monstrinhos nada tinham de lindos, nem de bem feitos, nem de engraçadinhos.
MORALIDADE: A ternura materna não vê as imperfeições dos filhos, e substitui-lhes belezas e graças que lhes negara a natureza.

Os dois burros.

 Iam dois burros, um carregando um fardo de sal, outro carregando um fardo de esponjas. Chegaram à beira de um rio e, teimosos, nenhum quis desviar-se para ir à ponte, que ficava próxima, a alguns metros, e que lhes daria passagem seca e enxuta; o do sal meteu-se pela água dentro, o das esponjas ficou parado a ver o que sucederia ao seu companheiro. A água do rio infiltrou-se na carga, e a foi dissolvendo, de modo que, quando saiu do banho e surgiu na outra banda do rio, o burro apenas conservava metade ou o terço do peso que lhe fora posto, e o malandro alegre se felicitava pela sua lembrança. Vendo-o tão satisfeito, o outro salta na água, pensando que outro tanto lhe sucederia. Coitado! as esponjas chuparam a água; o peso tanto argumentou que, não podendo mais, o burro caiu morto.
MORALIDADE: Antes de vos resolverdes a fazer como os outros, e de pensardes que bem vos sucederá o que bem lhes sucedeu, vede se entre vós e quem quereis imitar, há perfeita igualdade e semelhança.

A águia, a raposa e a porca.


Em uma árvore, como que combinadas, foram buscar abrigo para seus filhotes três zelosas mães. Uma águia fez seu ninho nos mais altos ramos; uma raposa arranjou sua cama num oco, ao meio, onde o tronco se divide em grossos galhos; na parte inferior, ao pé das raízes, colocou-se uma porca. Todas tinham filhotes, e viviam tranqüilas. Disso não gostou a raposa. Um dia trepa ao ninho da águia, e diz-lhe: “Venho-lhe dar uma triste notícia, vizinha; os nossos filhotes correm grande risco; a porca tem resolvido fuçar a terra em redor das raízes desta árvore até fazê-la cair, para que, mortos com o há que, os nossos filhotes sejam pelos dela devorados.“ — Que me diz, vizinha! agradecida lhe fico, hei de acautelar-me.
Então a raposa desce, vai ter com a porca: “Minha amiga!” exclama, “terrível vizinhança temos! Sei de boa parte que a águia só aguarda uma ocasião para agarrar e levar no bico os seus e os meus filhotes, que servirão de pasto à sua ninhada; acautele-se.”
Feito este belo trabalho, a raposa mete-se na sua toca à espreita dos resultados. A porca já não se anima a sair; a águia julga que ela o não faz por estar ocupadíssima em suas escavações, e não querendo mais esperar, voa do seu ninho, vai atacar a porca. Trava-se combate; as duas mães pelejam como mães que defendem seus filhotes; ambas caem mortas, abandonando à ardilosa raposa pasto de sobejo para si e para seus filhotes.
MORALIDADE: O que não pode uma intrigante!

A batalha dos ratos.

 Cansados destes combates singulares que todos os dias tinham de travar com os gatos, e em que quase sempre sucumbiam, os ratos assentaram unir-se, arregimentar-se, formar exército e escolher de entre si valentes coronéis, hábeis generais, que os guiassem, e para bem de todos dispusessem das forças e do préstimo de todos. Afinal, ratos unidos jamais serão vencidos ! Tudo isto não se fez sem alguma agitação, sem falatórios; logo pois chegou notícia ao povo dos gatos. Recrutar exército contra semelhante inimigo teria sido um opróbrio; de tal não se lembrou gato algum; contentaram-se com escolher dez campeões. Vendo confiadas à sua valentia a honra e a defesa da sua raça, foram estes ao encontro dos ratos. Acharam-nos postados em vasto campo, segundo a arte da guerra. Os gatos riem-se; os ratos tomam as risadas por ameaçadores miados e espavoridos dispersam-se, fogem; cada qual acolhe-se ao seu buraco. Os coronéis, porém, e os generais, que para melhor serem vistos no meio das proezas que pretendiam fazer, tinham-se ataviado e enfeitado com elegantes penachos, não puderam a tempo livrar-se dessas insígnias, nem com elas encafurnar-se nos seus esconderijos. Pagaram pois as despesas da guerra; os dez gatos não deixaram escapar um só deles.
MORALIDADE: Na hora de perigo, antes confundir-se com o povo do que primar entre os chefes; ali abrigam-se todos na comum obscuridade, aqui pelo seu esplendor é cada um denunciado.

O burro coberto com  pele de leão.

 Um burro que se lastimava sua sina, da ruim conta em que o tinham, do nenhum caso que dele faziam, achou uma pele de leão, e com ela se cobriu. Agora, sim, hão de ter medo de mim! disse consigo. O coitado enganou-se. Querendo rugir, zurrou; e o primeiro que o ouviu, reparando melhor, descobriu-lhe a ponta da orelha que a pele do leão não tinha podido ocultar, e logo agarram-no, e a pauladas o castigam.
MORALIDADE: Quantos se cobrem com a pele do leão, e se esquecem da pontinha da orelha!

O galo, o gato e o ratinho.

 Um ratinho que pela primeira vez saíra a passeio, voltou para o buraco, todo afadigado, suando. A mãe que o viu assim, perguntou sobressaltada: “O que tens, filhinho?” — Ah! mamãe... se você tivesse visto..., respondeu ele.
“Então o que foi?” — Ele relatou: "Ouça, ia eu passear; tudo estava tão bonito, que não sabia para onde olhar; mamãe, lá fora é mais divertido do que aqui na nossa casa, nesse buraco. No meio de tudo, em pouca distância, avisto um bicho grande, malhado, ronronando, de longos bigodes, de olhos brilhantes e doces, pelo macio, de ar meigo e fagueiro; é da nossa raça decerto, mamãe; talvez seja nosso parente. Ia chegar-me para entabular conversa, quando um maldito trinador de crista vermelha me assustou, a mim que não sou lá dos mais medrosos. Que bicho horrendo, mamãe, era esse! turbulento, inquieto, tem sobre a cabeça um pedaço vermelho de carne, uma crista, seus braços são curtos e cheios de penas, e para andar por certo lhe não servem. Mal me avistou, soltou ele um grito que me fez estalar a cabeça, e me obrigou a fugir praguejando-o, principalmente porque não me deixou ir falar com o meu camarada, que não sei mais onde o poderei encontrar. — Pobre filho! disse-lhe a mãe, nunca procures encontrar-te com esse malvado; é um hipócrita, inimigo jurado de nossa raça; a quantos dos nossos ataca, mata e come; é um gato. Se dele escapaste, deves tua vida a Deus, e ao outro bicho. Esse, sim, pode-te ser útil, desse gostamos nós muito, e quando o pilhamos a jeito, dá-nos sofrível bicada; é um galo.
MORALIDADE: Nunca te fies na aparência; assim acabou a ratazana as explicações que deu ao filhote, e com ela repitamos: — Nunca te fies nas aparências.

As vespas e as abelhas.


Demandavam as vespas e as abelhas acerca da propriedade de um favo de mel; foi juiz da causa a formiga. Inquiridas as testemunhas, depuseram todas que tinham visto em torno desse favo uns insetos escuros, compridos, com asas, tais quais as vespas, diziam umas, tais quais as abelhas, diziam outras. Estava o juiz perplexo; o pleito já durava mais de seis meses, e prometia durar anos; escrivães, promotores, advogados e toda essa catrefa já de parte a parte, tinham devorado mais do que valia o favo, quando uma abelha prudente: “Para que estamos com estas coisas”, disse, “se o favo é das nossas contrárias, façam elas outro, que nós faremos outro igual, e ver-se-à quem delas ou de nós foi capaz de fabricar esse que pretendem lhes pertence”. As vespas não quiseram anuir, e assim, o juiz pôde sem escrúpulo condená-las.
MORALIDADE: Pela obra se conhece o artífice.

Os touros e a rã.

 Pelejavam dois touros: uma rã que os via do charco em que estava escondida, se lamentava, praguejava o seu mau fado, fazia votos para que dos dois possantes rivais nenhum fosse vencedor, e ambos sucumbissem. “O que tens com essa batalha?” perguntaram-lhe as outras, “o que te importa que o touro malhado vença, ou que vença o touro preto?” — O que me importa? Pois não sabeis que o vencido há de ser excluído daquele verdejante prado, e que, desterrado, terá de vir esconder sua vergonha no nosso charco? E quantas de nós não serão esmagadas pelas suas furibundas patas?
MORALIDADE: A rã prudente sabia que os pequenos são sempre vítimas das pendengas dos grandes.

O burro e a sua prosápia.

 Um burro fidalgo não falava senão de sua mãe; que magnifica égua que havia sido! Só a príncipes pertencera! Um doutor, que para ver os seus doentes nele se repimpava, era então dono do burro, e o tratava a regalada! por fim o doutor, empoleirando-se, passou a ter carroça, e vendeu burro a um carroceiro. Então não falou ele mais de sua mãe fidalga, e para consolar-se unicamente se lembrava do jumento que fora seu pai.
MORALIDADE: Aos presumidos que só falam da sua prosápia, a desgraça traz recordações que estavam longe de sua memória mas que a todos estavam sempre presentes.
 Prosápia é a nossa jactância, a nossa vaidade, o orgulho.


Os perus e a raposa.

 Um bando de perus avistou uma raposa; treparam todos a uma árvore para se porem a salvo.
O astucioso animal disse logo consigo: “Hei de cear peru; daqui não saio sem pegar algum.” E pôs-se a fazer em torno da árvore, com fascinadora rapidez, mil evoluções; ora saltava, ora fingia querer trepar, ora deitava-se, ora levantava o rabo como um penacho, ora fazia as mais medonhas caretas, ora virava as mais divertidas cambalhotas. Assustados, inquietos, os perus nem um só momento desviavam os olhos; iam pois ficando tontos e atordoados, iam caindo, e a raposa os ia caçando.
MORALIDADE: Muitas vezes, por atendermos demasiadamente aos perigos
caímos neles.

A avidez castigada

 Nos tempos antigos, quando ainda se usava  arco e flecha, um caçador a quem a fortuna favorecera matou uma corça, e logo após um tatu. Ambos estavam estendidos no chão, e ainda não satisfeito, o caçador não tratava de retirar-se; passa um javali; como privar-se de tão bela presa! O caçador dispara o arco; cai a fera estrebuchando, mas não morta. O caçador prepara nova flecha com que a acabe; vê ao longe uma perdiz; nada farta a vasta fome de um fazedor de conquistas! À perdiz pois vai dirigir-se, e descuida-se do semimorto javali; este ergue-se vingativo, e em último esforço investe contra o inimigo, dá-lhe uma dentada, e o caçador sucumbe. A perdiz lhe agradece.
Chega entretanto um lobo magro, já com a pele em cima dos ossos, e dentes de polegada e meia; vendo quatro corpos (e que corpos!) o mísero exulta: Ó fortuna, quanto te agradeço! exclama; todavia não sejamos desperdiçados; nem todos os dias são como este. Tenho aqui provisões para quatro semanas. Um corpo por semana; que fartura! Comecemos amanhã; por hoje, vamos comendo a corda deste arco; é feita de tripa, e ainda está fresca; como cheira!
Assim falando atira-se ao arco, e tão selvajemente, que a flecha, preparada para a perdiz, desprende-se, e o mata.
MORALIDADE: O cobiçoso sempre faz ouvidos moucos à voz da prudência. Basta; goza do que tens, diz-lhe esta. — Sim, hei de fazê-lo amanhã. Esse amanhã não chega, enquanto mal sucedida empresa não lhe traz a ruína.

A torrente do rio e o lago.

 Com grande fracasso precipitava-se de altas serras uma torrente caudalosa; tudo era horror em torno dela, ninguém se atrevia a transpô-la, afrontando as suas iras. E descia, impetuosa, montanha abaixo.  Apertado por uns ladrões, um viajante não teve outro remédio, cumpria-lhe ou entregar-se aos ladrões, ou romper e atravessar a torrente; atirou-se pois. A água era pouco profunda, e sem embargo de sua força e de seus ruídos, não ocultava o menor perigo.
Prosseguindo em sua fuga viu-se o nosso homem impedido por uma represa que plácida e serena se mostrava, sem o menor sussurro. Isto não é obstáculo para mim, disse o homem. Eu que já afrontei e enfrentei a torrente caudalosa de um rio bravo... !  E saltou no lago. Enganou-se, porém; a repressa era mui profunda e cheia de galhos em seu interior; não deu vau e o mísero afogou-se.
MORALIDADE: Os palradores, vociferando bravatas, são mais inofensivos do que os concentrados e silenciosos.

O cão fiel.

 Um trabalhador do campo não querendo distrair a família, havia adestrado um cão a fazer-lhe o serviço. Quando ia trabalhar longe de casa, em vez de ser a mulher ou algum dos filhos quem lhe levasse a sopa do jantar, punham-na em uma vasilha, e atavam-na ao pescoço do cão; este a levava fielmente ao senhor, e filhos e mulher continuavam no trabalho da casa, e não perdiam tempo.
Um dia o fidelíssimo criado é acometido por um rotweiller; procura contra ele defender o jantar do seu dono e senhor; mas outros rotweilers acodem ao ataque. Vendo então que era inútil a defesa, o fidelíssimo diz: Esperem lá, camaradas, deixem-me tirar o meu quinhão, e abandono-lhes o resto. E logo mete o focinho na sopa, tira dela o melhor toucinho, e enquanto come, os outros devoram o resto.
MORALIDADE: Há muitos que são fiéis até a hora em que se vêem provocados pela oportunidade e pelos maus exemplos.

O rato e o elefante.

 Uma grande reunião de pessoas admirava em uma feira o monstruoso tamanho de um elefante; um ratinho indignando-se exclamou: “Fortes babacas ! o que tem que ver essa montanha informe de carne? Sem graça, sem beleza, mal pode mover-se; e o admiram! Mas, nós, ratinhos, corremos, pulamos, saltamos, somos cheios de graça, e em vez de nos prestarem a admiração devida, juram-nos guerra e extermínio. Será porque somos nacionais, e esse monstro é estrangeiro?” Enquanto assim repreendia os babacas, despercebido o ratinho é apanhado por um gato, que logo lhe mostra a diferença que há entre um elefante e um camundongo.
MORALIDADE: A vaidade e a inveja fazem muitas vítimas; até os ratos querem que se lhes dê a importância dos elefantes.

Os dois galos.

 Pelo domínio o de um terreiro, povoado de galinhas e frangalhonas, brigavam dois arrogantes galos. Um venceu; o vencido foi esconder-se envergonhado, e para mais dobradas mágoas ouvia de contínuo o estridente cantar do seu triunfante inimigo. Passa um gavião; o vencedor estava no mais alto do poleiro; o gavião lança-lhe as unhas. Aparece então o vencido, vem consolar as viúvas, suas consolações são aceitas, e o ex-vencedor está esquecido.
MORALIDADE: São coisas da sorte e da fortuna; desconfiemos sempre dela, especialmente depois das vitórias, no seio da prosperidade.

A raposa sem rabo.

 Uma das mais astutas raposas fez tantas que caiu numa cilada. Napoleão teve seu Waterloo; que muito é que a nossa raposa fosse uma vez mal sucedida? Mais feliz porém do que Napoleão, se este perdeu, perdeu ela somente o rabo, e conseguiu safar-se da armadilha. Viver porém sem rabo, quando suas irmãs o têm tão fornido! andar sempre exposta aos risos e motejos! A nossa raposa não se pôde resignar a tamanha desgraça. Convocando pois assembleia geral, tomou a palavra, e mostrando todos os inconvenientes do inútil peso do rabo, propôs que todas as raposas proscrevessem tão desajeitado enfeite e os cortassem. “A lembrança é ótima, e o discurso eloqüente”, disse uma delas, “mas, camarada, para que possamos melhor deliberar, vire-se, para vermos quem és.” A desrabada virou-se; e vendo-a, deram-lhe as outras uma sonora vaia que a obrigou a fugir para sempre.
MORALIDADE: Em geral o amor-próprio nos faz tomar por perfeições os nossos defeitos, e propô-los à imitação dos mais.

A canoa boiando.

 Em uma idade ameaçada, tinham disposto alguns vigias que dessem aviso do que ao longe avistassem. Os habitantes queriam evitar surpresas, e ter tempo de preparar heróica resistência. Os vigias descobrem ao longe uma coisa. O que será? É uma poderosa esquadra que se aproxima. “Alerta!” bradaram. A coisa chega mais perto. “Não é esquadra”, disseram, “há de ser alguma nau.” Por fim a onda atira à praia o objeto de tão sérios cuidados; era simplesmente uma velha canoa que vinha boiando.
MORALIDADE: Assim é tudo, perigo, desgraça. prosperidade, prazer; de longe é alguma coisa de perto é nada.

Os dois burros.

 Iam de parceria dois burros, um lépido e feliz,  sem carga; era o que servia para montaria do seu amo, o outro carregadíssimo a não mais poder. Debalde o mísero suplicava a seu irmão que o aliviasse de parte da cargas e dele se condoesse; o outro ria-se, e não atendia às súplicas. Por fim o carregado sucumbe, e logo o dono passa às costas do companheiro toda a carga, e não só ela, porém também o corpo do defunto.
MORALIDADE: Ajudemo-nos uns aos outros; não é só caridade, é o próprio interesse que no-lo aconselha.

O veado e a vinha.

 Fugindo de uns caçadores, escondeu-se um veado em uma vinha (plantação de uvas). Estava enfim salvo do perigo porque os caçadores, depois de muito o haverem procurado, já  iam se retirando. Vai o infeliz veado e põe-se a comer as folhas da vinha que o escondera; a vinha toda estremeceu; os caçadores voltaram-se e o descobrem.
MORALIDADE: A ingratidão é tão torpe que as fábulas se multiplicam para mostrá-la castigada; ficará alguém corrigido?

O pobre e o rico.

 Sentado na sua banqueta ficava todo o dia um sapateiro a trabalhar e a cantar. Defronte dele morava um opulento banqueiro, que de contínuo se praguejava porque apetite e sono não são coisas que se possam comprar; o desgraçado rico não podia comer, nem dormir; em nada achava divertimento; insípido aborrecimento por toda parte o acompanhava. Que perseguição a em que vivo! exclamava entre bocejos; dinheiro tenho-o de sobra, gasto-o a rodo, freqüento todas as reuniões e divertimentos, e os dias pesam-me! ainda mais me pesam as noites! Como conseguirei matar estas importunas horas que me matam! Quão feliz é o meu vizinho sapateiro! Desde que rompe o dia até que anoitece, ei-lo a rir-se e a cantar; à noite o maior sossego reina em sua casa, e diz que ele está dormindo, até às vezes ouço roncar! Quero saber de que receita usa.
Mandou pois chamar o sapateiro: “Viva, mestre sapateiro; folgo de o ver sempre alegre, e bem disposto; ora diga-me, como faz para assim conservar-se; quanto ganha por ano?” — Por ano! meu senhor, näo zombe da gente; pois nós lá sabemos quanto ganhamos; vamos remando e vivendo cada dia com o lucro da véspera, e contanto que haja saúde, e não falte que fazer, não falte pão; o que mais podemos querer? “Se com tão pouco está feliz, quero vê-lo felicíssimo; aqui tem este saco do dinheiro; é seu!“, disse o ricaço, dando-lhe um saco de dinheiro.
O sapateiro desfez-se em agradecimentos; levou para casa o dinheiro, contou, repartiu pelos anos que esperava viver; era de sobra. Procurou um esconderijo em que o guardasse, e de contínuo inquieto ia vê-lo; não o achava bem guardado; mudava-o de esconderijo; de tudo se temia; à noite, à noite especialmente, tudo aparentava ser ladrão. Nem mais sossegado dormir, nem mais alegre cantar! Ao cabo de um mês, já amarelo, magro, triste, teve uma boa lembrança, agarra no saco do dinheiro, e vai à casa do vizinho. Tome lá, meu senhor, o seu saco de dinheiro, exclama; quero ver se recobro o meu sono e as minhas cantigas.
MORALIDADE: O homem confunde a riqueza com a felicidade; isso é o mais triste dos seus erros. O acúmulo de riquezas traz acúmulos de dores de cabeça.